Memórias dos becos de Cajazeiras

Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras.

(Cora Coralina)

Por Lenilson Oliveira

15h15 de uma segunda-feira muito quente de outubro. Com a prazerosa missão de escrever sobre “Os baobás do Pirulito”, de Veruza Guedes, me vem a ideia de fazer a ponte do livro de crônicas memorialistas da cajazeirense com “Poemas dos becos de Goiás e estórias mais” de Cora Coralina.

Sim. Os dois guardam semelhanças entre si, porquanto as autoras se confundirem com os seus “eus líricos”, mergulhando em reminiscências e convidando o leitor a se transportar também para os lugares e sentimentos vividos, sentirem os cheiros, as gentes das suas cidades atemporais, vivas nas suas memórias de meninas e de mulheres.

É do mais doce lirismo que estamos falando quando lemos nas páginas de “Os baobás do Pirulito”, nas quais Veruza nos oferece doses homeopáticas de saudade, nostalgia mesmo, para quem viveu a Cajazeiras das décadas de 1980 e 1990, com seus “points”, pessoas, singularidades e, por fim, as mudanças de uma cidade que começava a querer ser “grande” e ia matando (ou morrendo) o que tanto encantamento trazia para aquela menina que crescia e se descobria em meio a tal.

Como não ouvir os acordes da NPR tomando conta da sempre boêmia zona sul, passear pelos corredores do Colégio Estadual, sentir a brisa do Açude Grande e do tão esperando vento do Aracati, sentir-se no Playboy Drink’s, curtir a Banda e Trio Ônix no Carnaval da Praça João Pessoa, ouvir Trepidant’s, ver passar o resistente vendedor de borracha de panela de pressão com seu bordão a plenos pulmões (olha aí!), correr pela Rua Higino Tavares pra pegar vaga-lumes nas noites escuras junto com aquela menina e sua turma?

São tantas as memórias afetivas despertadas pela cronista em que a lê, que talvez nem ela tenha ainda a dimensão do que o seu livro causará aos seus leitores, tenham eles vivido ou não aqueles anos tão significativos em termos de comportamento, cultura, contracultura, efervescências as mais diversas de uma geração que parecia não caber em si mesma.

Como Cora Coralina “conversa” com sua Goiás, Veruza também o faz com sua Cajazeiras e é assim que a intimidade torna-se maior entre elas, cabendo, logicamente, a interferência do leitor sobre aquele “universo” moldado a partir do seu imaginário e de  lembranças de fases da sua vida, a começar pela infância, mas que deixa de ser só seu ao ganhar as páginas do livro.

“Eu escuto a cidade e suspiro feliz”, diz ela, comprovando sua cumplicidade com Cajazeiras.

A autora, que se desnuda do que há de mais pessoal para qualquer um, que são as coisas vividas, no capítulo “Família”, também nos transporta para dentro da casa dos seus pais e irmãos, para o pé de siriguela de dona Sila, para a lindeza das irmãs Mariquinha e Fransquinha, tudo com muita poesia.

Cronista do seu tempo, inicialmente “soltando” os seus textos nas redes sociais, sobretudo no Facebook, Veruza Guedes nos brinda com um livro belíssimo, construído a partir da seleção de algumas dessas suas joias lapidadas com a alma e que, mais do que lidas, devem ser sentidas.

(Texto publicado nas orelhas de “Os baobás do Pirulito”, Arribaçã Editora, 2019)

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