Chris Herrmann nos chega com um romance provocativo. “Peccatum” não trata do pecado original, como se fala na Bíblia. Não é um livro que busca discutir religiões e suas leis defendidas com ardor pelos fanáticos que estão sempre de plantão com suas morais cheias de costumes más. Chris Herrmann nos apresenta um romance e conta uma história que é mais comum do que os puristas pensam existir.
No Velho Testamento, em Levíticos, Moisés é orientado sobre o que pode e o que é proibido por Deus nas relações sexuais: “Não te deitarás com um homem, como se fosse uma mulher. Isso é uma abominação”. Obviamente que a orientação é dirigida ao homem porque naquele tempo o patriarcalismo imperava mais do que hoje, mas com certeza aplica-se a mulher também.
“Peccatum” trata de uma relação amorosa entre duas mulheres. E por que isso seria pecado? Ora, Carolina, a protagonista, é uma mulher católica praticante, frequentadora de missas e rezas, casada com um tenente da Marinha e com um filho. A típica mulher que segue a moral e os bons costumes da nossa sociedade, mesmo que na intimidade seja infeliz e praticamente ignorada pelo marido. Um dia, Carolina conhece Teresa, professora que é contratada para dar aulas de reforço escolar ao filho. É a partir desse primeiro contato entre as duas que a história de fato se desenrola. Carolina nunca mais foi a mesma e passa a viver um intenso idílio amoroso com Teresa.
O pecado, de fato, passa a assistir. Para Carolina, claro, educada nos preceitos moralistas da Igreja. Tanto que passa a ser rejeitada pelas famílias tradicionais da cidade, principalmente pelas beatas ao descobrirem o romance. Carolina tem que ser forte para impor sua felicidade diante de todo arcabouço criado em sua mente em relação ao que deve ser feito ou não por uma mulher.
Como pano de fundo, o romance se passa em plena Ditadura Militar no Brasil. O marido de Carolina integra a Marinha, como já dissemos, e natural que o conservadorismo seja mais latente. E durante o romance, Chris Herrmann apresenta uma espécie de sequência política do Brasil a partir da história vivida por Carolina.
A obra não tem a preocupação de discutir a Ditadura Militar no Brasil. Mas não deixa de ser uma coincidência interessante que o livro chegue às mãos do leitor quando nosso país vive novas ameaças à sua frágil democracia. Talvez, aliás, o grande pecado seja as ditaduras. O que Chris Herrmann faz em “Peccatum” é contar um história de amor. E mostrar a força e a coragem de uma mulher para romper os grilhões que as religiões colocam em nossa forma de viver.
(Texto publicado nas orelhas de “Peccatum”, de Chris Herrman, Arribaçã Editora, 2020)