Faz bem Sérgio de Castro Pinto em arrumar a casa das palavras na altura de seus mais de 70 anos. O Leitor que escreve (Cajazeiras: Arribaçã, 2020) vem fechar a trilogia cujos títulos anteriores são A Casa e seus arredores (2006) e O Leitor que eu sou (2015).
A arrumar a casa das palavras, Sérgio de Castro Pinto já se dispôs ao longo do tempo, implementando, sobretudo, os andaimes da palavra poética, dentro de uma perspectiva, a princípio, seduzido que esteve pelos sortilégios das vanguardas, dos lógico-matemáticos de matrizes valerianas, que teve, em João Cabral de Melo Neto, o modelo exemplar na literatura brasileira.
Gestos lúcidos (1967) e A Ilha na ostra (1970), ainda atrelados aos pressupostos do Grupo Sanhauá, representam o ciclo de ofertas de um discurso poético em que a racionalidade do fazer parece comprimir a substância energética de um lirismo afetivo, que começa a se esboçar em Domicílio em trânsito e outros poemas (1983), estendendo-se e se adensando em títulos posteriores, como O Cerco da memória (1993), Zoo Imaginário (2005) e A Flor do gol (2014), como que a pressupor que o poema, pelo menos o poema verbal, não só se faz com palavras, mas também com sentimentos, ideias e valores.
Sem dúvida é a poesia a espinha dorsal da aventura criativa em Sérgio de Castro Pinto, assim como ocorre com um Charles Baudelaire, um T. S. Eliot, um Fernando Pessoa, um Jorge de Lima, entre outros poetas que distendem sua escrita para além do verso, num exercício de leitura de que resultaram algumas das páginas mais lúcidas acerca da fenomenologia poética.
A essa espinha dorsal de sólidas ressonâncias estéticas vem se somar, portanto, no formato de sua personalidade sensível e intelectiva, a figura singular do leitor. Leitor que não se diz crítico, é verdade, tomando-se o termo “crítico” em sua rigorosa acepção, no sentido de que se tem a exegese das obras alheias como alicerce fundamental do trabalho intelectual e analítico.
Perfeitamente. Sérgio de Castro Pinto não seria este tipo de crítico. Digo, o crítico de formação, institucional, profissional, que exerce a tarefa crítica como função principal no metabolismo de pensar e refletir. Um Álvaro Lins, um Alceu Amoroso Lima, um Antonio Candido, um Wilson Martins, um Virgínius da Gama e Melo, por exemplo. Não obstante, Sérgio de Castro Pinto me parece um leitor especial, arguto, desenvolto, aberto, principalmente, porque subsidiado pelo conhecimento agudo que possui dos mecanismos internos do fazer literário, poeta que é, e dos mais conscientes e seguros no domínio dos transportes peculiares à coisa literária.
Lendo Mario Quintana, a quem dedicou sua tese de doutorado, e a tantos outros autores, entre notáveis, provincianos e desconhecidos, traz à tona o seu itinerário de leitor. Leitor que lê por dentro, a partir da fina intuição dos processos estéticos, mas também lançando mão da indumentária social e política do seu jornalismo literário e cultural. O leitor, aqui, deixando-se acompanhar pelas figuras do jornalista, do editor e do professor, atenta, cada uma no seu campo de mira particular, ao fluir das continuidades e descontinuidades da vida literária.
Alternando textos mais longos e mais densos com textos mais curtos e mais breves, Sérgio de Castro Pinto como que elabora uma radiografia plural da cena literária paraibana e brasileira, estabelecendo um frutífero diálogo com seus pares, sempre demarcado por critérios de evidente compreensão receptiva.
Mesmo nas pequenas dissertações, a exemplo das que contemplam, entre outros, Ana Adelaide, José Leite Guerra, Águia Mendes, W.J.Solha, Expedito Ferraz, Massaud Moisés, Arnaldo Saraiva, João Cabral, Zé Lins e Flávio Tavares, ressalta um traço de técnica ou de estilo, de temática ou de motivação, de cuja serventia o leitor interessado pode tirar proveito no âmbito interpretativo da obra ou do autor de seu gosto ou de sua admiração.
Vejo, assim, este novo livro de ensaios do poeta, do leitor, leitor que escreve, como mais uma tática de expansão de sua escrita que, esclarecendo aspectos curiosos e detalhes determinantes das falas alheias, indiretamente nos leva ao contato com a experiência de sua própria fala e de sua própria poesia.
Pertencente a uma geração já clássica em fase de transição para uma posição canônica, se me valho das categorias de Pedro Lyra, em Sincretismo: a poesia da geração 60, e se me situo no contexto local, o poeta de O Cristal dos verões, com esse O Leitor que escreve, parece organizar seu balancete literário em tempos de plena maturidade. O que me soa bom para seus leitores, para a crítica e para a história literária.
(Jornal A União, João Pessoa, domingo, 12 de julho de 2020)