Autora: Rosângela Vieira Rocha (Brasil)
Publicado em 2020 pela Arribaçã Editora
A leitura de “O coração pensa constantemente” foi de um fôlego só. Leve e fluida mesmo diante das passagens girando em torno da “senhora da vida”. Talvez seja porque eu tenha me identificado com aquela cidadezinha e seus costumes – eu também criado no interior – e reconhecido tantas pessoas e causos. Mas também pode ter sido pela cadência gostosa da prosa da autora ao contar a história de Rubi e Luísa. As doçuras e amarguras da trajetória dessas irmãs são costuradas de forma preci(o)sa, com a escrita avançando e recuando no tempo para desfiar fatos e sentimentos, antigos e atuais, que vão revelando a essência do afeto que as uniu e que sobrevive à morte de Rubi.
Neste novo romance de Rosângela Vieira Rocha, a narradora é Luísa, uma mulher adulta, em isolamento por conta do coronavírus, que escreve para a irmã Rubi, falecida alguns meses antes do início da pandemia. Com falta de ar. O mesmo sintoma assombroso que paira sobre a realidade de Luísa. Assim, quando a personagem relata os cuidados de higienização das mãos para evitar o contágio, o leitor sabe que ela tem a dimensão exata do que é viver com os pulmões comprometidos.
No entanto, por mais que a Luísa de 2020 seja forte e cativante, é a menina Luísa que reina no romance. Por meio do seu olhar é que viajamos ao passado para conhecer sua cidade, sua casa, sua família e, principalmente, sua Rubi. Sim, a Rubi que conhecemos pertence a Luísa, é sua joia. Do encantamento que a irmã mais velha lhe provoca, surgem as lembranças que pintam o retrato de uma época e de uma relação.
Que delícia acompanhar o preparo dos “capetinhas” e dos doces cristalizados, experimentar a liberdade da caminhada por quintais, brejos e ruas de paralelepípedos, imaginar as fantasias para os bailes de carnaval regados a lança-perfume, participar de concurso de beleza, bisbilhotar a vizinhança, aprender a datilografar, utilizar o dedal como medida na compra de pedrarias, miçangas e vidrilhos para bordar os vestidos de festa… As páginas vão sendo viradas avidamente, mas a vontade é de que a derradeira não chegue nunca. Mas quando ela chega, a magia se faz e a história não acaba, porque é difícil deixar de pensar nas emoções que os “corações”, livro e órgão, continuam nos despertando.
(Texto publicado no perfil de Ademar de Queiroz no Facebook em 10 de janeiro de 2020)