Eu assisti várias “lives” com a Rosângela Vieira Rocha e pessoas envolvidas diretamente com o livro O coração pensa constantemente. Quando o exemplar chegou às minhas mãos, imaginava já saber do que se tratava o romance: o relacionamento entre duas irmãs. Um assunto que me despertava muita curiosidade, pois embora eu possua irmãs ( duas), nunca me relacionei de fato com elas. São filhas de outro casamento de meu pai, eu sou quase trinta anos mais velha que elas e, além disso, não convivi com nenhuma das duas. Até hoje nos encontramos muito raramente. O livro, no entanto, me surpreendeu muito. Não se trata apenas do relacionamento de duas irmãs. É o relacionamento de duas mulheres, de perfis diferentes, com modos diversos de enxergar a vida, unidas pelo afeto, mais até que pelos laços sanguíneos, foi o que senti.
A diferença de idade entre as irmãs cria essa relação admiração/cuidado/afeto/disputa/enfrentamento que, confesso, em alguns momentos me chocou. Talvez porque sou muito diferente de ambas, talvez porque me levou a refletir sobre emoções que, de alguma forma, camuflei.
Mas não é só isso que o livro retrata. Há a infância pobre numa pequena cidade do interior de Minas que penetrou nos poros de cada uma das irmãs de forma diferente: a cuidadora e a cuidada. Há a visão da menina abelhuda percebendo e, sem aceitar, inconscientemente, rejeita o machismo, a submissão feminina. E da irmã mais velha que embora aparentasse aceitar normas e padrões, enfrentava o puritanismo da época ousando vestir calças compridas e cabelos curtos e oxigenados. Há o confronto, não explícito, entre o conformismo e a rebeldia que, de certa forma, moldou a personalidade de Luíza e, de outra maneira, levou Rubi a pagar o Vidágio.
Um dos aspectos que considerei mais relevante: o despudor ao se falar abertamente de um dos sentimentos que sempre consideramos entre mais nefastos: a inveja. No romance, por parecer recíproca, poderia ser confundida com admiração aos olhos menos atentos, mas eu vi como comportamentos de personagens que se completam nas realizações uma da outra e ao mesmo tempo rejeitam o papel desse vínculo tão estreito que ao mesmo tempo que as confortam também as sufocam.
Rubi não era mãe de Luísa, mas se sentia como tivesse direitos maternos sobre a irmã. Luísa não era filha de Rubi, mas ao perder a irmã se sentiu órfã.
E sobre todos esses aspectos a morte reina, soberana. Não só a morte em si, mas a expectativa da morte e o luto posterior. Como lidar com o vazio da ausência? Isso Luísa não explicita, mas sugere. Acho que o leitor até adivinha alguns métodos. E quando a morte realmente chega, sem surpresa, causa a mesma devastação como se fosse inesperada.
Posso dizer, sem medo de errar, que dos quatro romances de Rosângela que li, este foi o que me tocou mais fundo, me causando um impacto profundo desde o primeiro capítulo. Há humor também no livro, mas é um humor triste, talvez até ingênuo, nos conduzindo à década de cinquenta, sessenta talvez, onde a ingenuidade mesclada à hipocrisia ditava regras de comportamento, principalmente para serem cumpridas pelas mulheres. E ai de quem se rebelasse!
Resumindo: Gostei muitíssimo!!! Leiam!
(Henriette Effenberger é escritora. O texto acima foi publicado em seu perfil no Facebook em 11 de janeiro de 2021)