Ficção e autoficção em “O coração pensa constantemente”

Por Micheliny Verunschk

Ao ler “O coração pensa constantemente”, livro mais recente de Rosângela Vieira Rocha, não pude deixar de pensar em “Diário de Luto”, de Roland Barthes, no qual o filósofo francês escreve, de modo fragmentário e sentimental sobre a perda de sua mãe (coisa que fará também, mas sob outra perspectiva, no mais conhecido “A câmara clara”).

O livro de Rosângela, de certo modo fragmentário e também sentimental, conta sobre Luísa e Rubi, duas irmãs diante do inexorável. Luísa, numa dicção muito próxima à do diário ou do gênero epistolar, fala da relação com Rubi, recém-falecida, rememorando casos, afetos, aventuras, impressões: voltas e voltas em torno da própria memória e da passagem da irmã em sua vida.

O romance situado em vários tempos, inclusive neste, pandêmico, leva ao leitor ao Brasil dos anos dourados, dos bailinhos interioranos, dos fuxicos paroquiais, enquanto a narradora tece a mortalha de palavras e sentimentos com a qual envolve a lembrança da irmã.

A autora, que perdeu recentemente a irmã, faz ficção e autoficção desse tema tão sensível e entrega ao leitor um documento muito vivo, às vezes engraçado, curioso (como os antigos almanaques) mas a maior parte do tempo comovente.

(Micheliny Verunschk é poeta e escritora pernambucana radicada em São Paulo)

 

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