DE OLHO NA ESTANTE: Ética, afetos, poetas em tempo de pobreza: dobras e travessias

Por Johniere Alves Ribeiro

 

“Ter sede de quê? Ter fome de quê?” Deveria começar assim o comentário de um livro com o título: “ Poetas em tempo de pobreza…” (Arribaçã Editora, 2022), mas não. Não.

Prefiro conectar o livro de Daniel Sampaio a ideia das éticas, dos afetos e por meio deles a persistência fincada nas dobras, nas travessias daquilo que nos constitui como ser, que nos remonta ao que é mais trivial do cotidiano, mas o senso comum faz questão de condicionar a uma atmosfera fora: 1) do meramente humano. Sampaio estabelece o avesso disso em sua escrita. Ela se impregna de uma pós-autonomia, alocada em uma concepção de versos compostos pela “realidadficción”, para usarmos aqui uma expressão de Josefina Ludmer em seu livro “Aqui América Latina uma especulação” ( 2010).

Para tanto, a poesia do livro carrega o leitor ao mundo dos rompimentos propostos pelas Vanguardas, pelos Modernismos e Concretismo no qual o limite gráfico de impressão à página não se estabelece em formalidades, todavia em atravessamentos/travessias de deslizamentos embutidos em compostos ópticos que leitor não está confortável ao ler. E isso acontece até naqueles versos aparentemente “normais” como no poema “ O amor em dobras” ou naqueles de formas fixas como no soneto “ Coveiros e caveiras”.

O poeta também não despreza em seu fazer a propositura ética, elaborando em seu livro uma hermenêutica do ler: a) o presente em outra etapa da nação, b) bem como do capitalismo e c) de suas variadas formas de domínios colonialistas que ainda são tentáculos bem esparramados em nossa contemporaneidade: “ é como se/ engrenagem/ a carne gangrena / de cães de aço / apodrece rodovias en/ cru/zilhadas escamas / o dragão /a sem sangue / se alimentasse de mim” . Além disso, esses versos nos oferecem a opção de como a monstruosidade invade o “eu”, de como ele tritura, divide a carne e, de alguma maneira, a tudo entumece, mesmo aqueles bens considerados urbanos, modernos e civilizatórios. E, talvez, seja isso que retroalimenta os poetas em tempo de pobreza: de quê? para quê? e pobreza para e de quem? da “abjeta/ vísceras do dragão / instinto de / asfalto”, do “corpopautofagia”.

Daniel de Azevedo interculturaliza seu o universo poético/literário em um limiar de dobras, de trifurcações: temporalidades, territorialidades e corporeidades e são categorias que parecem sempre prontas para expansão. Até porque o visto, o ouvido e o sugerido ressignificam e intensificam mas ainda a maquinaria fabricante de tais trifurcações: “ela deitada dilatando / marfim sobre a crina negra / de um cavalo sua escancarada anca / âncora de suor / o lençol / após galopar / um capo / de algodão ( Evoé)”. Bom mesmo é que você leia e veja a disposição gráfica desse poema, visto que a mesma complementa seu sentido.

“Poetas em tempo de pobreza e outros poemas” é livro: afago, lâmina, especulação, ambivalência, constituindo-se, portanto, de segmentaridades. Uma proposta de travessia em não tempo. Por tudo isso o DE OLHO NA ESTANTE indica essa obra.

 

Johniere Alves Ribeiro é professor-doutor e resenhista parceiro da Arribaçã. O texto acima foi publicado na seção “DE OLHO NA ESTANTE”, em seu perfil no instagram: @johniere81

 

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O livro “Poetas em tempo de pobreza & outros poemas”, de Daniel Sampaio, pode ser adquirido no site da Arribaçã no seguinte link: http://www.arribacaeditora.com.br/poetas-em-tempo-de-pobreza-outros-poemas/

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