Por Wanda Monteiro
No depois das sendas de palavras abertas por “Expectativa”, “Atarantada”, “Escalafobética” e “Espevitada”, caminhar pela topografia deste “Assim Não Vale” nos coloca como testemunha de uma escrita engajada e afetuosa, diante da perspectiva de uma realidade mais absurda do que a própria irrealia do imaginário poético. Contudo, trabalhar com os eventos do real, retirando deles imagens tecidas com apurada estética e uma linguagem contemporânea e de peculiar estilo, é um desafio que Noélia Ribeiro aceita e realiza com refinada mestria. No poema que inaugura e dá o título ao livro, a poeta acende no leitor suas primeiras inquietações diante da existência:
Não vale a vida comprimida.
Não vale ter os ombros curvados ou
a febre irrompida pelo peso do mundo.
Aquiescer ao particípio da existência
até o gran finale, sem compreender
o gerúndio das marés, não vale.
Assim não vale
No acender dessas inquietações, Noélia Ribeiro faz um recorte nos argumentos de que o tempo, humanamente classificado com seus cortes de passado, presente e futuro, não existe. O que existe é o movimento contínuo de que tudo vive e pulsa no gerúndio – nada de fato acontece porquanto tudo está acontecendo. A poeta manda às favas a antipatia que os letrados têm diante do gerúndio e escreve sobre ele, jogando luz sobre a perspectiva filosófica da transtemporalidade, da narrativa da existência, de suas impermanências e sentencia: sem compreender o gerúndio das marés, não vale. Assim não vale. A autora sabe questionar, desafiando o leitor(a) a refletir:
Que desenho faremos com a linha obscura que atravessa as veias do calendário? Pagaremos para ver a costura do tempo na malha do nada?
Noélia Ribeiro aprendeu o manejo da realidade em suas escrevivências, tomando para si a responsabilidade e missão, de por meio da linguagem, dar acesso ao novo do real. Sabendo e tendo a clarividência de que as imagens capturadas pelo poeta nunca são espontâneas, ainda que possam nascer do impulso inconsciente, a autora deste livro reflete sobre as imagens e faz sobre elas sua cuidadosa vigília para depois franqueá-las na tessitura do poema.
Os banhistas não reparam
a ausência do poeta nem
da poesia. Mais uma vez,
desperdiçam o mar.
Seus poemas conjugam cenas do cotidiano, trazendo o maravilhamento de suas banalidades à luz de um fantástico mundo, numa fusão entre o que pode ser real e o que pode ser ficção sem que o poema seja a sentença de nenhuma verdade. Pois que verdades fazem e desfazem dos conceitos do bem e do mal, mas pecam pelo obscurantismo de sua lógica. E tudo o que a poeta quer e faz é subverter as verdades e a lógica. Suas proezas poéticas, por vezes, disfarçadas de uma textualidade axiomática, na verdade, dão um tom de escárnio de quem, no poema, sabe contextualizar seu tempo e seu mundo em versos burilados com perspicácia e certeira ironia.
Deve-se apurar a forma do verso.
Deve-se apurar o verbo na boca.
Antes que suspendam o sol,
deve-se apurar toda falta de ar.
Que não nos falte e o ar e tampouco suspendam o sol para que possamos nos alimentar do verbo e dessa apurada forma de fazer versos de Noélia Ribeiro neste seu Assim Não Vale. Neste livro, ela se apropria das linguagens vivas elaboradas pela natureza humana, reveladas no cotidiano das cenas para, no preciosismo da linguagem poética, compor o poema numa aventura possível em busca do inesperado e de novas significações.
Noélia Ribeiro, com a natureza libertadora de sua poesia, ao subverter as verdades engendradas pelo humano, comete o que todo bom poeta faz: Inventa verdades poéticas, ofertando ao leitor um mundo prenhe de poesia e possibilidades.
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O livro “Assim não vale”, de Noélia Ribeiro, está à venda no site da Arribaçã no seguinte link: http://www.arribacaeditora.com.br/assim-nao-vale/