Ao mestre Solha, com carinho!

Por Luís Carlos Sousa

 

Preparei-me para escrever sobre o novo livro de Waldemar José Solha quando ter[1]minasse a leitura por razões obvias, técnicas, etc. Mas a leitura de sua AUTOB/I/OGRAFIA nem chegou ao meio do caminho e, sem pedra alguma, via que já era hoje de externar as impressões que esse caldeirão cultural oferece a quem ousar decifrá-lo. São páginas de sabedoria, de conhecimento acumulado, norteados por uma inteligência que sistematiza, usa um método e nos oferece interpretações, que vão de Jesus Cristo a uma cena comum do cotidiano de qualquer criança, como quebrar um braço.

A questão é que Solha não se dá por satisfeito com qualquer explicação. Ele vai fundo em busca dos argumentos que poderiam dar paz a sua angústia por uma narrativa que o convença sobre qualquer tema que desperte seu interesse.

Vai buscar em Platão e Aristóteles o alicerce para um pensamento cartesiano, como quando faz referências ao justo e ao injusto, ou nos textos sagrados, como a Bíblia, para explicar problema semelhante ou mostrar incoerências e até mesmo para mostrar como uma narrativa se apropria de outra para construir suas bases, mas invocando outros argumentos. Solha fala de Platão se antecipando aos Evangelhos. E fala de Ciro na Bíblia onde também são encontrados os exemplos aos quais a religião cristã recorre para explicar a vida na Terra e depois dela.

A narrativa de Solha é extraordinariamente racional, mas leve como Milan Kundera e densa como James Joyce. Parece construída por especialista com os mais altos títulos acadêmicos, com estudos sobre discurso, retórica, etc. Sempre com embasamento técnico, com citações à obra ou ao pensamento. De Thomaz Men, a Machado de Assis, encontrando pontos de ligação entre eles e suas histórias, que maravilham humanos tão distantes geograficamente, mas unidos pelos dramas, que se repetem.

Chama a atenção, a percepção que Solha tem dos fatos, como os acontecimentos alcançam repercussões em sua mente e ganham leituras ímpares. Ele sempre consegue demonstrar que é possível ter mais de uma versão sobre determinado fato, histórico, pessoal, drama humano, ou uma cena comum a determinadas gentes, como mergulhar em um açude para aprender a nadar ou passar com os livros na cabeça para evitar que a água de um rio cheio arraste a leitura e o conhecimento para o nada numa enxurrada.

O detalhe é que Solha narra tudo como se tivesse anotado os detalhes para fazer uma reportagem. Faz as citações que deveriam ser feitas, lembra as nuances, não se esquece dos personagens, dando caráter épico à saga tão comum que é a luta por um pedaço de terra para plantar, como o fez no texto da Cantata Pra Alagamar, com música de José Alberto Kaplan.

Não é fácil entrar em uma sala de aula cheia de especialistas para falar sobre Shakespeare e encontrar uma forma de chamar a atenção para algo inusitado a quem deveria saber de tudo ou abordado o tema em algum estudo. E ele conseguiu isso explicando a construção de uma história pelo Bardo a partir da contabilidade.

Estou encantado pela leitura, me deleitando com cada palavra colocada de forma perfeccionista no lugar em que deveria estar, algumas vezes, desafiando o leitor ao exercício de tentar substituir a forma e o conteúdo e chegar a conclusão que não é possível. “Não pode ser, mas é” para lembrar Borges.

É uma leitura que faz bem à mente e ao coração, provocando um furacão de emoções e um redemoinho no raciocínio, mostrando o valor de uma história quando narrada com tanta qualidade. Confiram para ver que não estou exagerando.

 

Artigo publicado no jornal A União, em 16 de janeiro de 2024

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