Por Daniel Abath
“A poesia acaba sendo uma forma de elaborar sobre como me colocar no mundo em luta. Acho que a poesia ainda serve para isso”. É assim que a escritora e psicanalista Débora Gil Pantaleão define sua arte poética. Na última segunda-feira (24), Débora realizou o pré-lançamento em live virtual no Instagram de Gente, seu novo livro de poesia, além da reedição de seu primeiro romance, Uma das Coisas, ambos pela Editora Arribaçã. Ambos os livros estão em campanha de prévenda no site da editora.
Linaldo Guedes, proprietário da Arribaçã, esteve junto com Débora na live de pré-lançamento e reafirmou sua admiração pela escritora. “A Débora, embora jovem, já é uma autora muito atuante aqui na Paraíba. Ela é uma multiartista”. A live contou um pouco sobre a proposta de cada uma das obras, além das influências literárias de
Débora. Linaldo disse que os livros já começam a ser editados na próxima semana, devendo ser publicados no mês de julho deste ano. Em breve será definida a data de
lançamento em João Pessoa.
A autora conta que começou a escrever ainda criança e essa atividade a ajudava a se relacionar consigo mesma e com os outros. “Escrevia minhas coisinhas e isso me ajudava muito a me entender no mundo”. Anos depois, em 2015, reuniu alguns de seus poemas e lançou o seu primeiro livro, Se Eu Tivesse Alma. A partir daí, outras obras vieram — e continuam vindo — e ela se diz grata a si mesma e ao universo por continuar realizando a paixão de sua vida, qual seja escrever.
Duas novelas, seis livros de poesia e um romance, além de obras de não ficção. Em meio a tanta produção, ela quase perde as contas: “Acho que ao todo são 11, porque também lancei duas antologias, fora os livros que organizei com meus alunos de Escrita Criativa”. Sim, ela também é professora e coordenadora do curso de Especialização em Escrita Criativa do Centro Universitário Uniesp, em Cabedelo.
Mais algumas coisas
O romance Uma das Coisas conta a história de Betina, de 13 anos, aluna do Instituto Federal de Educação da Paraíba (IFPB), em João Pessoa, que recebe de sua
professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira a missão de escrever um livro até o fim do ano. Betina decide, então, entrevistar a avó dela, e a base para toda essa história está em uma extensa entrevista que Débora realizou com a própria mãe, muito
embora não se trate de uma autobiografia. “Lancei em 2020, na época da pandemia. Foi quando eu pensei assim: qual é a última coisa que eu ia querer fazer na minha vida?”, lembra Débora.
Desde aquele ano, a autora já desenvolveu a ideia do seu segundo romance, que ainda não foi escrito. Débora explica que, dentro do seu processo criativo, muitas
vezes as ideias para um texto em prosa acabam surgindo, de certa forma, já em seus poemas. “Havia um personagem chamado Pedro. E aí eu peguei esse personagem, e um pouco do que eu digo no poema, e transformei na novela Causa Morte”, conta.
Dentre os temas que mais lhe motivam a escrever, a autora enfatiza “a interseccionalidade de raça e as questões que estão fervendo o nosso juízo agora, como por exemplo a questão do suicídio da população negra”. Afeita à valorização da “gente” da nossa terra — mas não menos universal —, gosta muito de autoras contemporâneas, a exemplo de Cris Estevão e Moama Marques. “São pessoas que eu admiro e que acabam me ajudando a pensar poesia de uma forma interessante”, declara. Já dentre os clássicos, destaca, de pronto, Clarice Lispector como grande influenciadora da sua escrita, além do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, autor de grande importância para Débora, dado o estilo de escrita experimental vinculado ao movimento do teatro do absurdo.
Uma das coisas fundamentais para alguém que deseja escrever, de acordo com a autora, é aprender a ouvir e, ao mesmo tempo, preparar-se com afinco durante o processo de crescimento: “Eu acho que a primeira coisa é tentar ser humilde para ouvir o que aqueles em quem a pessoa confia para mostrar o seu trabalho têm a dizer. Ter autoestima suficiente para conseguir discordar dessas pessoas também. E escrever e ler, mas ler tentando descobrir o que aquele escritor que você gosta fez. Que mágica é aquela? Como é que ele chega descrevendo um personagem?”, ressalta.
Débora não escreve pensando em um leitor ideal. Para ela, melhor seria que seus escritos fossem absorvidos por toda e qualquer pessoa, apesar de admitir que afetam muito mais, no bom sentido, às mulheres negras e ao público LGBTQIAP+. Na visão da autora, as histórias mais incríveis, com potencial para fisgar os leitores de cara, são aquelas que trazem alguma situação absurda; algo inusitado, inesperado, estranho, tal como o acordar repulsivo de Gregor Samsa no clássico A Metamorfose, de Franz Kafka. Afora os macro literatos, na opinião da autora a produção literária da Paraíba “não perde para nenhum outro estado do Brasil, e talvez do mundo, porque temos muitos escritores e escritoras bons produzindo aqui”.
Subindo escaleras
Indagada sobre a sua antiga editora, a Escaleras — que em português significa “escadaria” —, criada quando a autora tinha 28 anos, Débora afirmou ter sido uma experiência maravilhosa, apesar de terem lhe restado algumas dívidas. “Foi muito lindo. Eu descobri que eu sabia criar um livro e acolher autores e autoras do Brasil inteiro […]. Foi bem legal e eu me sinto muito honrada de ter botado a cara para bater tão nova, lá em 2017”, declara Débora.
Débora explica que a Escaleras fechou durante a pandemia, momento em que os livros sofreram uma queda expressiva de vendas. À época foram realizadas campanhas de pré-venda para o custeio dos livros, e a então editora evitava cobrar dos autores.
“Eu comecei a tirar do meu bolso e faltou também conseguir algumas parcerias públicas”, destaca, para quem o fim da iniciativa foi inevitável. Enquanto funcionou, a editora esteve focada em publicar não apenas autores paraibanos, mas de todo o país, principalmente mulheres, pessoas negras e LGBTQIAP+.
Descontinuar a escrita não é uma opção para Débora. Seu sonho era que houvesse uma outra forma de existir no mundo, em que as pessoas tivessem direito à
arte e ao tempo para contemplá-la como um bem, da forma como é exigido o direito à comida.
No fim, o que ela gostaria que seus leitores soubessem quando pegam em um livro seu? A resposta não poderia ser mais simples e, ao mesmo tempo, profunda: “Que eu fiz com amor. Queria que meus leitores soubessem que tem amor ali, um amor real e que eu estou pegando numa mão e chacoalhando pela outra, tal como fazia o incrível psicanalista Lacan, quando ‘estratonava’ seus pacientes”.
Matéria publicada no jornal A União, em 28 de junho de 2024