Por Ana Miranda*
Acorda cedíssimo, ouve os passarinhos, beija a Linda. Muito bonito, com seu chapéu, ele arreia o cavalo e vai pela caatinga espinhosa, tangido pelos ventos, sob os olhos dos abutres. O poeta José Inácio Vieira de Melo vai encher a cisterna de seus sonhos pelo sertão da Pedra Só, onde lavadeiras lavam almas no açude.
Descendente dos Fulni-Ô, José Inácio ama a sua terra, é arraigado, ali ele se entrega à inspiração e recolhe suas palavras – num mundo áspero, abafado, a cavar pedras, no reluzir dos minérios, no sol. Nas pedras do sertão ele esculpe seus versos, e os escreve ouvindo ecos distantes de cantadores e violas, mugidos zebuínos, nos gritos das pedras que enlouquecem. Suas palavras pulsam, passeiam, comovem, são unguentos, relâmpagos, escadas para pular muros. Suas palavras são a sua vida.
Impetuoso, selvagem, com a alegria de um pássaro que voa, o poeta José Inácio cria a sua própria cartilha, em busca da fonte secreta. Assim como os seus antepassados Fulni-Ô, que conseguiram manter viva a própria língua, José Inácio preserva uma linguagem que é sua e é do sertão nordestino. O seu vocabulário já vem de nascença, sua sina está escrita na geografia da vida: Olhos d’Água do Pai Mané, onde nasceu, no município de Dois Riachos; depois Palmeira dos Índios, Arapiraca, fazenda Cerca de Pedra… E agora, Pedra Só, onde ele passa boa parte do tempo.
E os poemas que ele escreve são de tom sertanejo, mas é um sertão que tem ecos de mitologia, de rock’n’roll, onde vaqueiros vaquejam de moto. Ele sente as transformações do sertão e as entrelaça com os sertões mais antigos, numa rota infinita que lhe veio da estirpe. Bela a sua coleção de versos amorosos, as asas de amor abertas sobre Linda; emocionantes as cantilenas para Inácia, sua agreste mãe; minuciosos os seus poemas inspirados no haikai; generosos os versos ao outro.
Afinal, ele nos oferece uma série de poemas de si mesmo, que termina com uma biografia perfeita e belíssima, a nos conduzir para a rota do ser. Esse extraordinário poeta José Inácio Vieira de Melo honra a nossa tradição sertaneja, uma das expressões mais valiosas do Brasil.
(Posfácio do livro Garatujas Selvagens (Arribaçã Editora, 2021) do poeta José Inácio Vieira de Melo)
(*) Ana Miranda é escritora. Morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje vive no Ceará, onde nasceu. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). Escreveu diversos romances, entre eles Desmundo (1996) Amrik (1997) e Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras). Foi escritora visitante em universidades como Stanford e Yale, nos Estados Unidos, e representou o Brasil perante a União Latina, em Roma.