Por Sérgio de Castro Pinto
Nos poemas de “Trigal com corvos”, livro de estreia, Waldemar José Solha já se assenhoreava de um projeto-de-mundo e do ofício de escrever/criando. Tanto que, diferentemente de Cassiano Ricardo, cujas fases poéticas podem ser
recortadas nitidamente, Solha foi sempre o mesmo, “sem fases que se distingam e revelem uma ‘evolução’ do dizer de uma para o dizer de outra, o que significa que já começou com a boa expressão de sua maturidade como poeta”.*
Contudo, há diferenças nas aparentes similitudes. Que o digam os contos de Dalton Trevisan, que embora guardem semelhanças entre eles, possuem suas nuances, suas filigranas que, ao final e ao cabo, podem expressar, quem sabe, a tentativa de conquistar o inatingível perfeccionismo.
Observo o mesmo com relação à obra poética de Solha, cujos poemas, apesar de se constituírem num só poema, mesmo assim possuem detalhes que precisam ser distinguidos para adquirirem maior pujança e maior eficácia. Aliás, Affonso Romano de Sant’Anna já observou que “O marco do mundo” é “a continuação de uma trajetória poética desencadeada há tempos”, além de registrar o quase frenesi com que Solha concebe os seus textos.
Creio, no entanto, que os seus êxtases, as suas epifanias, os seus insights, passam por uma espécie de filtro, por um processo de requintada elaboração, para, posteriormente, ocuparem a textura em branco do papel.
Sobre o seu mais recente livro, “O IrReal e a substituição da credibilidade”, ratifico o que escrevi a respeito do excelente “Trigal com corvos”: “(…) tudo em que o eu-lírico toca abandona o seu estado de repouso para atingir
um grau de ebulição elevado à milésima potência”.
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“(Re)verso da palavra”, de Rony Santos, Arribaçã Editora, Cajazeiras, Paraíba, 2023 – Alguns poetas tematizam o longe, o distante, ora em termos geográficos, ora em termos metafísicos. Foi assim, por exemplo, com os poetas da chamada Geração 45, cuja maioria quase absoluta privilegiava as paisagens europeias em detrimento da realidade nacional. Outras vezes, lançavam mão de um discurso etéreo, evanescente, que não adquiria contornos definidos, na medida em que convertia o estado onírico em núcleo temático da poesia.
Pois bem. O eu-lírico de “(Re)verso da palavra” é um voyeur daqui mesmo, do aqui e do agora, da carnadura (ou da ossatura?) do real, das ruas, vielas e becos de João Pessoa, cidade que ele visita, peripateticamente, na condição de testemunha de uma época em que o homem é degradado à condição de reles objeto da história.
Poesia urbana por excelência, a de Rony Santos possui uma dicção amarga, cética, em consonância com a distopia que move um verdadeiro cerco ao homem contemporâneo.
Não se trata, porém, de uma poesia panfletária, tribunícia, mas de uma poesia que, quase sempre, observa, deixando ao leitor a última palavra, a palavra final, sobre o assunto objeto das especulações do eu-lírico.
(*) O texto acima, do poeta e ensaísta Geraldino Brasil, vale a pena ser transcrito de forma integral: “Às vezes o poeta é sempre o mesmo, sem fases que se distingam do dizer de uma para o dizer de outra. Isso também o elogia porque tal significa que já começou com a boa expressão segura de sua maturidade de poeta.
Enquanto é elogiável que um poeta tenha tido fases e claramente evoluído de uma para a seguinte, mais elogio mereça aquele que não precisou ‘evoluir’. Não se condene a falta de ‘evolução’: como condenar um Santo porque não evoluiu nas suas orações para o Senhor? Ou condenar uma abelha que passa a vida inteira fazendo o mesmo mel?”
* Texto publicado no jornal A União, edição de 21 de setembro de 2023
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O livro “O irreal e a suspensão da credulidade: Sexto tratado poético-filosófico”, de W. J. Solha, pode ser adquirido AQUI
O livro “(Re) Verso da Palavra”, de Rony Santos, pode ser adquirido AQUI