“Vermelho como o vento” é o primeiro livro de poemas de Conceição De Maria Machado, mas felizmente não será o último. Conceição mostra, em sua primeira obra, uma veia poética muito forte, independente do tema que aborde em seus poemas. Clareza, concisão, sobretudo ritmo e imagem, estão presentes em sua poesia, o que faz vislumbrar um futuro promissor para Conceição em sua trajetória literária.
Conceição De Maria Machado é uma mulher de lutas sociais e do candomblé de nação Angola. Isso, claro, transparece em seus versos, mas sua poesia vai além disso. É uma poética que atende a leitores que gostam de boa literatura de todas as matizes sociais e/ou religiosas.
No primeiro capítulo – Folha do Vento e do Fogo – o poema inicial já traz Exu, “o guardião das horas a passar”. Exu, todos sabemos, é o guardião da comunicação, que faz a ponte entre os seres humanos e o plano divino. O capítulo segue, com a senhora Samurai, que se converte em borboleta, com a vontade “de não precisar adivinhar estradas”, como o “vento que pariu o caminho”, sabedora que “há palavras que têm atmosfera de astros”.
“Numinosa a palavra é”, segundo capítulo, aponta que “liberdade é só uma palavra”, que tudo dorme, menos o pensamento. De um lado o lirismo de quando se acendem “esses sóis que dormem em teu olhar…”, de outro a devoção ao sagrado, que paira no poema 16 ou a homenagem ao sertão do poema 18.
O terceiro capítulo – Serra do Vento, Ilha do fogo, Pau Ferro e Maçangano – começa se voltando para a infância. Depois, mostra as diferenças entre seres do ar e do fogo, a ironia que chega no poema 24, a covardia confundida com zona de conforto, o romantismo encantador do poema 27.
O quarto capítulo – Caís do Apolo, Juremeira e Piedade – é iniciado com um poema narrativo falando dos concrizes que choram e dos camaleões que compreendem o desespero do eu-lírico. Depois, vem o erotismo sutil do poema 29, a indagação de quem quer ser prosa, se pode ser poesia. Sim, porque Conceição sabe que quando não há mais para onde correr, “ai se aprende a voar”.
O quinto capítulo – A coroa da minha Rainha é um ojá – Conceição para, senta para esperar por ela mesma. Afinal, percebe que “não se pode soldar um abismo com ar”, tem consciência que só “arde” e que os anos ensinam “tudo o que os dias nunca souberam”.
O sexto capítulo – Salitre, Juremal e Mossoroca – chega pedindo para “deixar o sol passar por cima de ti”. Coisa de quem olha pro medo de olhos abertos. Ou de quem veste a saudade da mãe no dia frio. Ou do novembro que se despedaça.
“Estrela mais alta sozinha no firmamento” é o título do sétimo capítulo. Assim, “o brilho das estrelas chega sempre mais longe” e “há uma distância de cântaro/ para este amor tão pássaro” (que versos lindos!).
No oitavo capítulo – Trovão no céu é fogo de alumbrar – Conceição traz a piromaníaca para seu livro e brada que a luta é que faz o balé da alegria e chama o vento que pariu os caminhos. E defende roer o osso para cuspir poesia!
“Couraça é roupa de combate”, o nono capítulo, surge como uma “sinfonia de esferas” para afastar o olho malsã ou insinuar o leve tremor nas palavras.
“Nsema, aquela que possui o brilho do céu”, o último capítulo, só reforça a qualidade dos capítulos anteriores. Com poemas movidos pela intuição, com o vento que arriba tudo para longe: “só é completo quem se reparte”, diz um dos poemas.
É isso! Conceição reparte com nós, leitores, a beleza de sua poesia. Ela que sabe ser borboleta e levanta o voo da sua poesia para além das metamorfoses.
Linaldo Guedes
Editor
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