A prosa de Geraldo Bernardo soa como poesia, daquelas mais belas e descritivas das coisas do sertão, com suas paisagens e personagens únicos, como os cenários pintados com tintas fortes por Graciliano Ramos em “Vidas secas” ou outro que o valha como romance regionalista.
Da chamada segunda fase do modernismo, publicado em 1938, “Vidas secas” retrata a vida de uma família sertaneja que sai em busca de um lugar menos castigado pela dureza da seca.
Pode parecer lugar-comum comparar os nove contos deste livro com a obra graciliana supracitada, mas me parece também inevitável estabelecer tal diálogo entre ambos, não só pelos cenários descritos, tendo como ano de fundo a crueza da terra maltratada pela estiagem, uma espécie mesmo de “umbral” que precise mesmo ser atravessado para o encontro com o “paraíso”, traduzido numa vida melhor.
Era isso que Fabiano e família buscavam em “Vidas secas”; é isso que os personagens bernardianos buscam nas páginas de “A travessia do umbral”, não só no conto que dá título à obra – e que nem por isso pode ser considerado como principal -, mas em todas as linhas e entrelinhas das narrativas em primeira pessoa, o que traz ainda mais o leitor para dentro do livro, que pode ser lido de um fôlego só, ou de “lapada só”, como diríamos nós, sertanejos.
À primeira vista, ou leitura, também podemos identificar elementos inspirados em autores como João Guimarães Rosa ou Ariano Suassuna, entre outros, mestres em trazer para as suas obras uma linguagem o mais fiel possível à realidade do povo ali retratado, uma coisa quase dialetal:
(…) O velho Agostinho estava enfezado:
– Com os seiscentos mil diabos, essa praga de burro sem futuro não vai subir.
Ou:
– Quer não, precisa não. Ele já comeu demais, parece até que não tem vergonha, fica se mostrando na frente dos outros (os outros eram Suzana e a empregada, Dona Edite). Ele também não está acostumado com essas coisas “afrescalhadas” que vocês comem aqui na rua, vai que dá uma caganeira nesse infame.
E por aí vai.
Sim, o narrador também nos coloca em paisagens urbanas, como para mostrar que toda luta que se trava pode valer a pena ou como se a cidade em si e suas facilidades, novidades e descobertas, como um simples picolé, fossem as recompensas por todas as agruras passadas nas travessias enfrentadas e vencidas.
Por fim, Geraldo Bernardo coloca o leitor dentro dos cenários descritos, como é dado a todo bom contador de “causos” e já ficou denotado na sua novela “A doida paixão de um doido” (Arribaçã, 2018), à qual também tive a honra de prefaciar.
Tenho certeza que você, leitor(a), vai atravessar essa leitura “num pulo” e talvez até se veja ou a alguém próximo nas páginas que lhes chegam às mãos.
Boa leitura!
Lenilson Oliveira
11h11 da manhã de um domingo de setembro 2022
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O livro “A travessia do umbral”, de Geraldo Bernardo, pode ser adquirido no site da Arribaçã clicando AQUI