Por Neide Medeiros Santos
Esperança! Miragem deslumbrante e fugitiva do deserto da vida!
(Anayde Beiriz)
Francisca Vânia Nóbrega é autora de vários livros de poesia e de ensaios literários, pertence à União Brasileira de Escritores/PB e à Academia Paraibana de Poesia onde ocupa a cadeira número 06, tendo como patrona a professora e poeta Anayde Beiriz. É sobre a sua patrona que escreveu o texto Anayde Beiriz: rememorando a vida e a história. Com base em postulados sobre gênero e patriarcalismo, Vânia apresenta opiniões de diversos autores que se debruçaram sobre o tema, com ênfase para a questão de gênero.
Anayde sofreu os preconceitos e a discriminação de uma sociedade injusta que privilegiava os mais ricos e aqueles que tinham projeção social. Uma simples professora, filha de um tipógrafo, querer se igualar aos intelectuais da época era muita audácia, mas era obstinada e não se conformava com as diferenças impostas pela sociedade. Não via diferença entre o homem e a mulher, considerava que todos eram iguais, não devia haver distinção de gênero nem de classe social.
Além de ser uma moça inteligente, era bonita, elegante e vaidosa. As fotos que a família guarda até hoje demonstra o requinte no vestir. Por sua beleza e faceirice, em 1925 foi eleita em concurso como a mais bela jovem da Parahyba. O concurso foi realizado pelo jornal Correio da Manhã em 1925. A pesquisadora Valeska Asfora, no livro Anayde Beiriz: a última confidência (2022: p. 46), informa que não encontrou a edição do jornal que trata desta notícia, mas este fato é do conhecimento de todos. Gostava de escrever para jornais e revistas literárias. Artigos e textos da professora/poeta apareciam na revista Era Nova, uma publicação literária que circulou na Paraíba entre os anos de 1920.
Depois que terminou o curso Normal, submeteu-se a concurso público para professor em 1922, foi aprovada, e passou a lecionar na Escola de Pescadores Presidente Epitácio Pessoa, na Colônia Z2, na vila de Cabedelo. De 1922 a 1930, exerceu o magistério, dando aulas para crianças, filhos dos pescadores, e alfabetizando os adultos. Morava em João Pessoa, toda segunda-feira saía de casa, tomava o trem para Cabedelo e lá permanecia de segunda à sexta, regressando para a casa dos pais aos sábados.
Era durante os fins de semana que frequentava os saraus lítero-dançantes realizados nas casas de Dr. José Maciel, Alceu Navarro e do comerciante Mister Davidson. Nessas ocasiões, recitava seus poemas e de outros poetas, causando muitas vezes “frisson” entre os presentes pela ousadia dos textos que apresentava. No meio de uma sociedade machista e preconceituosa, Anayde despontava como uma moça moderna, que usava cabelos com o corte à la garçonne, pintava os lábios com batom vermelho e frequentava os ambientes literários, chegando a fazer parte do grupo Os Novos, sendo ela a única mulher a integrar esse seleto grupo. Discutia-se literatura, artes, política e transitava com desenvoltura por todos esses assuntos.
O namoro com o estudante de medicina Heriberto Paiva, chamado por ela carinhosamente de Hery, causou incômodo à família do rapaz, principalmente da madrasta que almejava uma moça rica e de família tradicional para casar com o enteado. Heriberto estudava no Rio e veio passar umas férias na Parahyba e logo se apaixonou por aquela moça morena, bonita e inteligente. Voltou para o Rio de Janeiro e durante dois anos houve troca de correspondência, eram cartas de amor bem diferentes das cartas de amor de Fernando Pessoa para Ofélia, eram românticas e cheias de sonhos. As cartas enviadas para o namorado foram cuidadosamente transcritas por Anayde em um caderno e as sobrinhas conservam com todo carinho essa relíquia. Foram 60 cartas enviadas para Heriberto. A tecedeira da maldade, a madrasta, conseguiu impedir a continuidade do namoro com intrigas e mentiras. A moça sofreu com esse rompimento e viu seus sonhos serem desfeitos.
Tudo cura o tempo, já dizia o Eclesiastes, e Anayde voltou a frequentar os saraus dançantes, a escrever poemas e publicá- los nos jornais locais e em Recife. Surgiu João Dantas na sua vida, advogado bem-sucedido gostava de literatura e de política. Novamente o amor bateu à sua porta. João Dantas era inimigo político da família Pessoa, não gostava do presidente do Estado e resolveu se transferir para o Recife, passou a advogar na capital pernambucana. Vinha com frequência à Paraíba para visitar a namorada, ficava muitas horas conversando com Anayde nos bancos das praças, trocavam juras de amor eterno e se correspondiam regularmente. A Rua Santo Elias, no centro da cidade, foi palco também desses encontros amorosos. A professora continuava dando aulas em Cabedelo, na colônia de pescadores. Tudo parecia seguir uma rotina normal, mas as intrigas políticas ficaram acirradas entre os Dantas e os Pessoas e tudo terminou na tragédia que é conhecida por todos.
Anayde Beiriz nasceu para quebrar tabus, para inquietar, para deixar marcas e isso a professora Francisca Vânia procurou demonstrar no seu ensaio que traz um contributo valioso para aqueles que desejam conhecer um pouco mais da vida e da história dessa jovem que muito amou e muito sofreu. O pensamento com que definiu a esperança – “uma miragem deslumbrante e fugitiva” – teve um caráter premonitório, ela pouco lhe fez companhia, foram realmente momentos fugidios.
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O livro “Anayde Beiriz: Rememorando a Vida e a História”, de Francisca Vânia, pode ser adquirido no site da Arribaçã clicando AQUI