Arribaçã, uma editora que nasceu para voar longe

Por José Pedro S. Martins

Arribaçã, um dos nomes com os quais é conhecida uma ave que forma imensos bandos em vários pontos do Nordeste em períodos de migração. Talvez em função delas, muitas aves migratórias ganharam o apelido de aves de arribação. Arribaçã = movimento, viagem sem fronteira, mobilidade. A Editora Arribaçã, de Cajazeiras, no sertão da Paraíba, nasceu nas flores da Caatinga para voar, para levar suas sementes longe, bem longe, não esquecendo, nunca, de suas raízes, sua identidade, sua alma sertaneja.

Algo como fez um de seus fundadores, Linaldo Guedes, um jornalista e poeta nascido em Cajazeiras e que, depois de 38 anos vivendo na capital, João Pessoa, voltou a sua cidade natal e criou a editora, em parceria com Lenilson Oliveira. Nesse vai e vem, a concretização de um sonho, “uma editora que saísse do nosso sertão, para o mundo”, como Linaldo conta, em entrevista para Pé de moleque.

Nessa conversa, ele nos conta como foi a arquitetura da editora, nos relata como tem sido enfrentar a pandemia, como projeta o futuro. Linaldo atuou como jornalista em muitos órgãos de comunicação paraibanos. Hoje é repórter de Cultura do jornal “A União”.

Como poeta, assina os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (1998), “Intervalo Lírico” (2005), “Metáforas para um duelo no sertão” (2012) e “Tara e outros otimismos” (2016). Também publicou “Receitas de como se tornar um bom escritor” (2015) e participou de antologias e livros de outros autores.

Em 2018, lançou “O Nirvana do Eu: Os diálogos entre a poesia de Augusto dos Anjos e a doutrina budista” e “Não temos wi-fi”, em parceria com Lau Siqueira, Cyelle Carmem e Letícia Palmeira. Linaldo é graduado em Letras e tem mestrado em Ciências da Religião.

Seu parceiro na Arribaçã, Lenilson Oliveira, outro cajazeirense, já atuou em comunicação e educação, com experiências em escolas de ensino fundamental e médio. Ex-diretor administrativo da Rádio Oeste da Paraíba, ex-editor do Jornal “CajáFolha”, ex-colaborador de jornais e revistas locais e estaduais, diretor e editor da Revista “Destaque” e do site DestaquePB em Cajazeiras. É licenciado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com Especialização em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP).

Lenilson é autor do livro de poemas “Réquiem para uma flor” (A União, 1991), a maioria abordando temas sociais . É um dos idealizadores do Movimento Cultural Poesia no Coreto, que se reúne toda primeira quinta-feira do mês na Praça da Matriz, em Cajazeiras.

Dois amantes da literatura, da cultura, de sua cidade. Duas aves de arribaçã que semeiam livros.

Como é a história de criação da Arribaçã Editora? Qual a sua proposta editorial? Conte um pouco de sua própria trajetória..

– Embora seja de Cajazeiras, eu morei durante 38 anos em João Pessoa, onde atuei no jornalismo e no movimento cultural, mais especificamente literário. Editei suplemento literário, criei programa de rádio sobre literatura, organizei saraus, tive um grupo de poesia e publiquei 11 livros. No final de 2017, minha mãe resolveu retornar para Cajazeiras (localizada no Alto Sertão da Paraíba), e como morava com ela, vim também. Aqui, estretei as relações com o poeta Lenilson Oliveira e nas nossas conversas surgiu a ideia de criar uma editora. A Arribaçã surgiu da vontade de fazer uma editora que saísse do nosso sertão, para o mundo. De mostrar que o sertão também pode voar, pode arribar. Criamos a editora em setembro de 2018 e temos 20 títulos publicados. Publicamos livros de todos os gêneros e estilos: romance, conto, crônica, poesia, novela, infanto-juvenil, acadêmicos, etc. Não temos aquela agonia de publicar trezentos livros simultaneamente. Nossa preocupação é com a qualidade e com a satisfação do autor ou autora. Como já publicamos livros por outras editoras, sabemos das principais queixas dos escritores e escritoras. Procuramos atendê-los da forma mais satisfatória possível. De forma resumida, diria que a Arribaçã é uma editora focada na satisfação dos seus autores e autoras.

A editora é recente, ou seja, com uma história em período turbulento para o país e o mundo. Como tem sido o cotidiano de desafios?

– Não tem sido fácil. Até pelo fato de estarmos localizados em pleno Alto Sertão da Paraíba, no extremo oeste do estado. De qualquer forma, nossos desafios são o de qualquer editora pequena no país. De distribuição, por exemplo. Mas nossas amizades, contatos e credibilidade do nosso nome têm ajudado no voo da Arribaçã.

Como tem sido especificamente o trabalho nesse momento de isolamento social? A editora promove algum tipo de ação virtual como lives?

Nosso trabalho não alterou muito com o isolamento. Estamos trabalhando em home office, mas felizmente não paramos e os serviços da editora não tiveram solução de continuidade. Desde o momento que começou o isolamento, publicamos quatro livros. Estamos com mais dois livros na gráfica, dois em fase de revisão e três com a edição sendo iniciada, além de termos lançado a Coleção Horizontes e o Concurso de Poesia. A editora não tem promovido lives, mas participado, como entrevistada, de lives de revistas e sites literários. Nossas redes sociais (instagram, twitter, facebook e youtube) têm sido movimentadas com outras promoções que sempre fazemos, como sorteio de livros dos nossos autores e autoras. O último, realizado semana passada, contou com 1.380 comentários no Instagram da editora.

Como acha que ficará o mercado após a pandemia?

É uma previsão difícil de fazer. Se o isolamento virar regra mesmo após a pandemia, as editoras serão muito prejudicadas, porque não haverá lançamentos presenciais. Vamos ter que buscar outras alternativas, como e-books. Se o isolamento social for flexibilizado, vamos ter como respirar por mais um tempo. É aguardar para ver o que vai acontecer.

Quais podem ser os impactos da pandemia em termos da produção literária e da cultura em geral, como já ocorreu em outros momentos críticos para a humanidade?

Em termos de produção, o impacto será positivo, acredito. Para quem escreve, nada melhor que um confinamento para produzir textos, principalmente nos diversos campos literários – da prosa e da poesia. A questão é saber até que ponto essa produção será publicada. A pandemia que vivemos vai gerar muito desemprego e isso terá um impacto negativo na economia muito forte.

Por que ainda acreditar e apostar em literatura no Brasil?

– Esta é uma pergunta que me faço todos os dias e que não consigo ter uma resposta lógica. O que sei é que, ao contrário do senso comum, penso que o brasileiro gosta de ler, sim. E muito! Qualquer pessoa num consultório médico lê aquelas revistas antigas. Ou num ponto de ônibus lê aqueles folders comerciais distribuídos nas ruas. O que o brasileiro comum não tem é dinheiro para comprar livros e revistas, que são muito caro para quem ganha um salário mínimo. Uma vez falei sobre isso, ao ver reclamação de escritores que vendiam poucos livros em seus lançamentos. Ora, numa semana só, em João Pessoa, para citar um caso, tinha às vezes cinco ou mais lançamentos de livros, cada um custando em torno de 40 reais a unidade. Quem, ganhando um salário e com família para sustentar, tem essa grana disponível todos os dias? E a conta de luz, de água, do condomínio, da internet, da escola dos filhos, quem paga?

Quais desafios em particular para uma editora fora do eixo Rio-São Paulo?

– O principal deles é a distribuição. As grandes distribuidoras não investem nas editoras do Nordeste. Defendo que as editoras da região se unam para investir neste segmento e já conversei com alguns editores sobre isso. No mais, tudo que temos no eixo Rio-São Paulo temos aqui: boas gráficas, bons profissionais e boa divulgação, facilitada pela expansão das redes sociais. Tanto que a Arribaçã já publicou livros de autora residente em Brasília, outra na Alemanha e temos livros de autores de São Paulo, Minas Gerais e Goiás sendo editados.

Qual o papel dos prêmios e eventos como feiras e festivais para a literatura? Algum destaque nesse sentido com relação à Arribaçã?

– Tudo que faz parte da cadeia produtiva da literatura é importante para nosso segmento. Quanto mais feiras, oficinas e prêmios, mais o leitor é informado do que está acontecendo no meio e mais os autores e autoras contemporâneos passam a ser conhecidos. A Arribaçã considera as feiras fundamentais para a disseminação de sua marca e a divulgação de seus autores e autoras. Já participamos de algumas, seja como palestrantes, seja como oficineiros ou com estandes de venda. Fomos convidados para mais duas (uma em João Pessoa e outra no Conde) que foram canceladas em função da pandemia, gerando prejuízos, já que nestas feiras não só vendemos nossos livros, como divulgamos nossa marca e fechamos contratos. Este ano a Arribaçã seria responsável pela organização da Feira do Livro de Cajazeiras (Flica), mas ainda não sabemos se ela será realizada.

 (Entrevista publicada no site Pé de Moleque, em junho de 2020: https://pedemolequelivros.wordpress.com/2020/06/24/arribaca-uma-editora-que-nasceu-para-voar-longe/?fbclid=IwAR1gvzmv-VYRq0e0rA7OE__iy3PzW0LT4RkwTbyV7zqiOt8q6Nr7lFRUAes)

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