Iniciei a leitura de “O insustentável perigo do instante-beijo”, livro de contos de Lourença Lou, com uma expectativa favorável, porém não mais do que isso. Lourença é minha amiga no Face mas não a conheço pessoalmente. Já havia lido e gostado de alguns textos seus, e me encantavam seu senso de humor e seu jeito de brincar com as palavras (me apaixonei por ela quando comentou, a respeito de um conto meu, “Gostei de um tanto!”). Comecei a ler, e foi uma porrada!
Certos livros deviam vir com uma tarja preta e um aviso: Cuidado, leia por sua conta e risco. É o caso do volume de Lourença Lou, com 80 contos breves e minicontos. Desde a leitura do primeiro, fui tomado por uma mescla de deslumbramento e inquietação. Em traços rápidos e precisos, a autora delineia dezenas de perfis de mulheres, abrindo as portas de um universo feminino já vislumbrado, mas não plenamente mapeado ou conhecido.
As mulheres de Lourença Lou são inesquecíveis. Alguma torturam os homens ou suas parceiras; outras entregam-se sem reservas ao amor, ou são submetidas a incontáveis humilhações – mas todas conservam uma enorme lucidez sobre sua sorte e a condição feminina, tão forte que chega a perturbar o leitor. Pois é disto que se trata: com seu bisturi literário e uma profunda empatia, a autora disseca os mais diversos aspectos do psiquismo feminino, montando um mosaico de rostos de mulher – todos diferentes entre si, todos semelhantes em alguma medida.
À mulher que se entregar à leitura dos contos, desejo que acrescente seu rosto aos esboçados pela autora e se perceba mais próxima de suas irmãs. Ao homem, que se mova cuidadosamente, pois está ingressando, como eu fiz, em terreno por vezes desconhecido e perigoso. Mas fascinante.
Muitos mapas medievais, quando representavam áreas ignotas, colocavam a legenda “hic sunt leones”, aqui existem leões. Ela poderia estar presente no corpo e, sobretudo, na alma das muitas mulheres de Lourença Lou.
(Texto publicado Por Carlos Eduardo Matos em sua página no Facebook, em 30 de agosto de 2020)