Por Johniere Alves Ribeiro
“O poeta vive entre o signo vs a coisa, por querer mergulhar intensamente no trabalho do signo verbal, fazendo linguagem, trabalhando as raízes da linguagem”.
Nessas palavras de Décio Pignatari ficam evidente o limar de quem procura escrever poesia se estabelece na fricção entre signo e coisa. É no ferir do vocábulo que a linguagem se estabelece e dessa maneira: “não há como ferir o vocábulo sem ferir o poema; é impossível mudar uma vírgula, sem transportar todo edifício. O poema é uma totalidade viva, feita de elementos insubstituíveis”, nos lembra com firmeza Octávio Paz em “O Arco e a lira”.
“Essa totalidade viva”, talvez, é o que conduz a poética de Nágila de Sousa Freitas. Assim, “como irei descrever/ tão vivo de horror / que no crível da vida não faz luz?[…] Inconformada é a dor de descrever /o que o poema não pode ver” (Indescritível). É um poema que pulsa de cotidianidades, seja no “ fel do peixe que a carne reflui”. Ou na retomada da máxima pessoana do disfarce que todo poeta precisa ter: “criador, fugidor ou fingidor?”. E, dessa forma, a figura de quem lavra a dor é pertinente ao produto de “O poema é mais belo que o título”.
Diante de tais aspectos, vamos montando as dobras que Nágila de Sousa nos conduz. E em cada dobradura que fazemos seguimos as cartografias do vocábulos friccionados, compreendemos a travessia entre fogueira de espelhos, que simplesmente nos ofertam aquilo que somos e o meramente humano ergue-se: “é indispensável dispensar/ a arte de um mundo / feito à máquina e pó”, características indispensáveis no contexto da escrita poética contemporânea, marca de uma poética pós-autônoma linkada em agenciamentos de agoridades. Pois se “avista uma flor e vê um segredo, (ao invés de pétalas) corre para desvendá-la. Quando o dia percebe raiar, pega o lápis e folha para deixar seu tesouro ao mundo”. Esses são versos de “Ao infante poeta”, que fiz questão de quebrar a estrutura vérsica da autora como uma forma de clarificar o uso do enjambement, algo constante no livro aqui em questão. Livro que se revelou para mim com uma dicção madura e que sabe/sente a verdade que entregará ao seu leitor “em suas histórias dramáticas”, com “seus relatos civis”. Esta madura dicção se presentifica na elaboração de imagens inusitadas: “E o óleo do tempo mata os rios / mas salva a máquina que é deus”; “só há na máquina óleo queimado gozado na boca / dos que esperam ser salvos pela viagra sagrada do tempo”. Ou ainda em: “Na parede rejuvenescida de tinta / as folhas do calendário vão se vencendo”.
Por isso, e por muito mais, é que nós do DE OLHO NA ESTANTE indicamos a leitura de “O poema é mais belo que o título” (Arribaçã Editora, 2021), crendo que “as mãos que carregam o fardo não alçam a ação da tinta”, “essência” do livro de Nágila de Sousa Freitas. Porque o poema é sempre mais belo que…
* Johniere Alves Ribeiro é professor-doutor e resenhista parceiro da Arribaçã. O texto acima foi publicado na seção “DE OLHO NA ESTANTE”, em seu perfil no instagram: @johniere81
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O livro “O poema é mais belo que o título”, de Nágila de Sousa Freitas, pode ser adquirido no site da Arribaçã no seguinte link: http://www.arribacaeditora.com.br/o-poema-e-mais-belo-que-o-titulo/