DE OLHO NA ESTANTE: Olhos ouvintes: desejo e erotismo em “Ilha perdida”

Por Johniere Alves Ribeiro

 

“Ilha perdida” livro de poemas de Porcina Furtado (Arribaçã, 2021) oferece ao leitor versos que tornam nossos olhos verdadeiros ouvintes de uma dicção poética intercambiada pelo desejo, pelo erotismo, pela sedução, instado pelo universo feminino. Tanto é que a palavra “desejo”, suas derivações ou expressões similares aparecem mais de 30 vezes no decorrer do livro. O que nos coloca defronte a uma palavra que precisa ser profundamente entendida, não como sendo a ausência de algo, a busca pelo preenchimento de um vazio. Não. De forma alguma. É necessário negar visão platônica de que desejo é falta. Pensarmos desejo nesta concepção é ser um ambulante amputado de si e que vaga pelo mundo saudoso de algo que nunca se sabe o que é.

Desejo não pode ser sinônimo de carência, de mendicância.

Nesse sentido, ler “Ilha perdida” é ver desfilar ante a DESIDERUM ou DE SIDERE, do latim: “esperar pelo que as estrelas trarão”. Dessa forma, compreendo desejo como sendo transbordar com as milhares de estrelas, é a vastidão do universo. Retomo aqui Deleuze, Guattari e Nietzsche ao afirmarem em suas ideias que: “desejo é vontade de potência”. Nunca falta. Mas produção. Imagina quando uma autora traz essa percepção mais de 30 vezes em uma mesma obra? Respondo: é uma bomba atômica de fluxos, de interfluxos, de moléculas super-hiper-mega-produtivas. Até “porque a poeta anda cansada de todos os desejos” isso de tanto expandir-se, de autoproduzir no fazer poético. É “a chuva que cai / grávida de desejos”. Nesses vemos que Porcina atrela ao “gerar”, ao “criar” a própria vida simbolizada na água da chuva, na água da placenta ou nas águas do “gozo” mútuo em um “quarto com chaves na porta” e com “cama revirada na fantasia” expostos no poema “O sonho”. Ou até mesmo “uma porta aberta /com versos de desejos”.

E digo isto fora do debate do “lugar de fala” ou do conceito de “escrita feminina”, pois em minha percepção quem se lança no fazer literário e na labuta com as palavras acaba perdendo o filtro de gênero, tornando-se um ser que produz arte. Ponto. No caso da poeta aqui em questão “arte é o desejo de viver”.

Assim, Porcina Furtado nos leva a uma ilha perdida em devaneios, em tormentas, em nevoeiros e nos lança: ao corpo, à mente, à carne, aos sentidos profundos que os vocábulos podem nos fazer mergulhar. E nós do DE OLHO NA ESTANTE lhe damos o bilhete para também mergulhar nesse imaginário criado por ela, no qual desejorealidadepotência tornam-se uma palavra só e ao mesmo tempo múltipla.

 

Johniere Alves Ribeiro é professor-doutor e resenhista parceiro da Arribaçã. O texto acima foi publicado na seção “DE OLHO NA ESTANTE”, em seu perfil no instagram: @johniere81

 

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O livro “Ilha Perdida”, de Porcina Furtado, pode ser adquirido no site da Arribaçã, no seguinte link: http://www.arribacaeditora.com.br/ilha-perdida/

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