DE OLHO NA ESTANTE: Scenarium: luz, câmera, ação, vozes e visões

Por Johniere Alves Ribeiro

 

Já li que “a arte  responde ao mundo” e que “ela fala a própria história”. Isso porque é fato que a arte, enquanto linguagem é uma espécie de dínamo que move o movimento  – redundante assim mesmo – e dele captura campos moleculares de magnetismo, ejetando luminosidade para todos os lados que o cerca. E se estamos mergulhados no caos: do ódio, de intolerância, de negação  de tudo aquilo que tem a sensibilidade com força motriz, afirmo que a Arte, com A maiúsculo, é uma ilha a ser alcançada. Não aquela de Calipso.

No comboio que cerca o construto produtor da Arte enquanto linguagem acionadora de movimentação, nunca de estaticidade, podemos intuir que a palavra move-a como produtora contínua de agenciamentos de agoridades, que se hibridizam em um nomadismo continuo que torna poroso o sistema hidráulico de uma poética que nos foi até aqui imposta. Contudo, é bom fazer saber da necessidade de uma poemática maquínica, no sentido deleuzeguattarineano, que se refira a uma concepção com ênfase na abordagem de interconexão associada a fluidez dos processos psicológicos, políticos, sociais e culturais.

Partindo dessa percepção, é urgente entender os poemas com máquinas de expressões sociais que imprimem ranhuras, efeitos e afetam os fluxos/interfluxos dos desejos. Desejos não mais como ausência, tal como indicava Freud, mas entendê-los como potências da criação. E é isso que sinto, muito mais do penso, ao ter lido “Vozes e Visões” de Gringo Carioca, obra lançada pela editora Arribaçã (2022), “que revela tudo,/que oculta nada,/ que diz o que diz-/ sem o dizer” (p.17).  Como se observa, esses versos se interpõem a nós como ação de desterritorialização do poemar do campo literário, deflagrando outra caminho vocal da frase vérsica e sua diposição tipográfica como pode ser comprovado nos poemas das páginas 32, 33, 25,109 e 125 que tomaram goles no design, na publicidade, vestiram uma quase roupa e saíram à rua.

Isso posto,  relembro duas reflexões feitas por Octávio Paz em seu famoso livro “Signo em rotação”: “Seria uma quimera pensar em uma sociedade que concilie o poeta e o ato?”, “ Que seja palavra viva e palavra vivida?”. Deixo aqui as duas perguntas para quem for ler “Vozes e Visões” e que de lá evoque as respostas.

Nessa obra do Gringo, percebemos que a voz do poeta se torna um elemento essencial para mixar sua mensagem poética. Mixagem de entonações, de emoções, de ritmos enriquecendo a experiência ledora que ele propõe para seu poema. Há uma vocalização degustacional, calcada na incorporação de técnicas de leituras performáticas, associadas a musicalidade da palavra, que mesmo escrita em livro, emerge com um que de “voz” pronunciada na mimesis de uma oradura: “amor cheguei!/ sem bafo de cerveja na boca,/ sem papo de cachaça na língua…/ cheguei, amor!” ( p.22) ; “ creio que não creio/ em nada / além de tudo/ …. / e nada mais” ( p.31); “ se não fosse redondo, / o mundo seria bem chato…” (p.35). Ao atentar para essa performance das palavras fica-nos evidente a incorporação de elementos das agoridades fincadas na coloquialidade. Marca as ranhuras da oradura com uma forma de ampliação dos movimentos da expressão maquínica do que chamo aqui de poemática incorporada nesse livro de Gringo Carioca, versados em vivencidades experienciais de uma escrita pós-autônoma, como diria Josefina Ludmer.

Os versos acima ainda nos remetem a um Wally Salomão, a um Chacal, a uma Ana Cristina César. E todos juntos formar um argumento de o poema, enquanto máquina de expressão social, não se deve ao que mostra como fixo, como estável. Ao contrário disso.

Deve ser entendida como uma máquina em constante transformação, em constante reconfiguração. Ela pode se conectar, se desmantelar, criar novas relações, produzir novos afeitos e afetos. E tudo bem! Você não acha? Eu acho. E ainda acho que é a linguagem dínamo que Gringo Carioca nos apresenta em “Vozes e Visões”. Sentir dessa forma o poema nos permite compreender a complexidade dos processos sociais e nos salvar de análises simplistas baseadas em sistemas estruturais fixos ou meramente hierárquicos e rígidos impostos ao poema ou a vida. Até porque “o poema enquanto tradução do homem, da sua essência ontológica é uma constante busca de si”, como bem nos lembrava Octávio Paz, em “Signos em rotação”.

Ainda na esteira do pensar de paz, vale dizer que “o poeta escuta. No passado foi o homem da visão. Hoje aguça o ouvido e percebe que o próprio silencio é a voz. […] O poeta escuta o que diz o tempo, ainda que ele lhe diga: nada”. Posto dessa forma, afirmo que “Vozes e Visões”  se constitui em um livro de visualidades, explorando a relação entre imagem e palavras que se experimentam de diferentes maneiras entre si: formas gráficas, caligráficas, diagramalidade, colagens e outros recursos visuais que a tecnologia atual pode favorecer ao poeta e que implicam impacto à poemática que Carioca quer nos ofertar. Além disso, fica evidente a discursividade irônica no que tange as malhas sociais da nossa contemporaneidade brasileira, bem como as evocações de uma oradura/linguagem/maquínica que, de alguma forma, operam em cooperação na produção de subjetividades, de desejo como energia produtiva de interações.

“Vozes e visões” consegue equacionar vocalização, oradura e visualidades aos conceitos de rizoma e nomadismo de Deleuze e Guattari, enfatizando a multiplicidade, a conexão, a descentralização e a experimentação/degustadora com formas de romper as estruturas fixas e hierárquicas presentes na linguagem enquanto um dos construtos da Arte. Por isso, que o DE OLHO NA ESTANTE indica a leitura de Gringo Carioca e o seu “Vozes e Visões”, Arribaçã ( 2022).

 

* Johniere Alves Ribeiro é professor-doutor e resenhista parceiro da Arribaçã. O texto acima foi publicado na seção “DE OLHO NA ESTANTE”, em seu perfil no instagram: @johniere81

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O livro “Vozes & Visões”, de Gringo Carioca, pode ser adquirido AQUI

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