Sente aqui.
Tome um cafezinho e vamos trocar dois dedos de prosa.
Esse o sentimento e o desejo que nos invade e nos assola, sacudindo frestas e nesgas de tempos e nos trazendo imagens, sons, vozes, histórias e causos que marcam memórias e trajetórias de Elri Bandeira de Sousa por tantos lugares e mundos da sua Pombal de
Trincheiras, Revências, ruas de terra batida, banhos no Rio Piancó, o bar do pai, as leituras e traquinagens com amigos, a feira, as rezas e novenas, as estórias de visagens e malassombros.
Ao ler A casa, o sítio, a cidade: Pombal. Crônica. Memória não encontramos apenas um primoroso trabalho de pesquisa e organização de memórias, muitas delas confrontadas com outras versões de parentes, amigos. Embora o autor não aceite a designação de um trabalho de memória e, portanto, uma produção histórica, esta é, sim, uma narrativa de memórias e histórias.
Memórias e histórias construídas e trançadas em embalos de rede. Em carrocerias de caminhões nas estradas de caminhos para as feiras da cidade ou para as festas de padroeiro. Em bocas de noite de cadeiras em calçadas e alpendres onde são narrados os cotidianos de labuta de roçados, de enredos de secas e retirâncias, de invernadas e farturas de milho e feijão, que alegravam as fogueiras juninas e alimentavam barrigas e sonhos de tantos em prosas comuns e fartas.
E, em recorrentes momentos da leitura transmigrei para as Impueiras de minha infância. Nas bocas de noite, espichada no chão de cimento rejuntado da sala, viajava nas inúmeras histórias que papai atualizava de suas lembranças. Histórias de cangaceiros a tocar fogo em bolandeiras e raptar mulher de fazendeiros. De romeiros em peregrinação para a benção e proteção do Padim Ciço. De bandoleiros e aventureiros que faziam dos sertões terra e lugar de valentia, coragem e sorte incerta.
Ora, Elri, suas memórias são sim documento e história.
Por suas páginas, linhas e parágrafos vão ganhando forma, corpo, vida, personagens reais que suas lembranças alinhavam com a perspicácia de um exímio observador que, desde a infância, revelou talento e destreza para produzir relicários onde os objetos sagrados à sua compreensão e as suas relações familiares, afetivas, de amizade, de vizinhança, foram depositados e tratados com flores e folhas de alfazema, para conservar a inteireza, o perfume e a textura que, agora, são expressas nestas páginas de A casa, o sítio, a cidade: Pombal. Crônica. Memória.
E esta não é somente a impressão de quem, como você, partilha e comunga dos mesmos olhares e sentidos que fazem e dão personalidade ao viver no sertão e dele extrair memórias e lembranças que, narradas por indivíduos, são produções coletivas e, assim, engenhos históricos a marcar e testemunhar épocas, pessoas, episódios, construções de gentes, bichos, paisagens.
E como me fez um bem danado ler A casa, o sítio, a cidade: Pombal. Crônica. Memória. E, confesso. Também me instiga uma saudável, mas pontuda inveja por ainda não ter o seu inxerimento de trazer, em narrativas apaixonantes e zelosas, os causos, as prosas, as memórias e invenções de minhas lembranças e da minha gente.
E, a todos que acessarem este livro tenham a certeza de que somos, sim, pessoas criativas, engenhosas, ousadas, apesar da cabeça chata que serve, principalmente, como armazém para guardar o que a vida nos traz como dádiva do viver.
Assim também argumenta o poeta mato-grossense Manoel de Barros:
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
E como te amamos, Elri, por esse e tantos outros despropósitos.
Por Mariana Moreira,
Cajazeiras, em uma noite de junho de 2024, de saudades de fogueiras e folguedos.