Edificando os alicerces da Casa Encantada

Por Joel Cavalcanti

 

A presença da casa na literatura fantástica é um dos elementos estruturantes para a construção de um mundo fictício. É nela onde as regras do cotidiano que oferecem refúgio e proteção aos seus moradores são quebradas e passam a simbolizar um portal para outros mundos e dimensões. O ambiente familiar se torna lar para segredos que se personificam em entidades sobrenaturais e em distúrbios psicológicos e emocionais. Agora, substitua a casa pela Paraíba. É a partir dessa concepção que pela primeira vez é realizada uma coletânea de contos contemporâneos do universo fantástico ou realismo mágico no estado.

Organizada por André Ricardo Aguiar, Casa Encantada – O conto fantástico paraibano (Arribaçã Editora, 298 páginas, R$ 60) está em campanha de financiamento coletivo e conta com a participação de 26 autores, entre consagrados e iniciantes. Nos textos, está contemplada de forma inédita uma diversidade de subgêneros em que cada um deles oferece uma abordagem única e distintiva para explorar o mundo da imaginação e da fantasia. “É muito difícil classificar a natureza do fantástico, visto que a literatura tem tantas vertentes e variações que isso já está provado no próprio corpo de Casa Encantada. Tem o fantástico mais sutil, muito preso a uma realidade, em que você não denota seus elementos com muita facilidade. Tem outros mais descarados, com elementos mágicos que mostram uma face aterradora da realidade”, descreve Ricardo Aguiar.

Com contos que assumem as suas mais variadas formas, desde o fantástico de assombração com monstros e alienígenas, ao fantástico de cunho cósmico com viagens no tempo e no espaço, a coletânea se vale da diversidade geográfica paraibana para oferecer diferentes percepções a partir do ponto de vista de seus autores. “Ela inclui nos contos uma realidade local. Quem está em Cajazeiras traz um universo um pouco mais rústico, quem está em cidades como João Pessoa e Campina Grande traz um registro mais urbano. Essa variação dos contos é muito grande, inclusive no estilo”, diz Aguiar. Um exemplo disso é o conto do santa-ritense Roberto Menezes, que trabalha com lendas urbanas. Já Aldo Lopes, sertanejo de Princesa Isabel, centra sua narrativa no mágico interiorano, com assombrações e visagens. “Essa variação está na antologia e já garante uma maior capacidade de surpreender o leitor com um maior número de registros diferentes”.

Alguns dos 26 autores foram convidados diretamente por Ricardo Aguiar devido à reconhecida prática consagrada que eles detêm sobre o conto. Mas para que não se deixasse escapar novas vozes desse estilo literário, a editora lançou um edital para prospectar escritoras e escritores iniciantes. Ao final, todos os escolhidos tiveram dois contos incluídos na obra. São eles: Aldo Lopes, Amiel Nassar Rivera, André Ricardo Aguiar, Antônio Aurélio Cassiano de Andrade, Antônio Mariano, Arturo Gouveia, Braulio Tavares, Bruno Ribeiro, Carlos Gildemar Pontes, Clarissa Moura, Cristina Moura, Daniel Rodas, Egberto Vital, Andréa Vital, George Patrick, Geraldo Neto, João Matias, Lu Evans, Maria Valéria Rezende, Marília Arnaud, Nadezhda Bezerra, Rinaldo de Fernandes, Roberto Menezes, Rosa Alves, Tiago Germano e Valnia Véras.

Entre o real e o irreal

O modo fantástico não assume nada como certo e estável, diferentemente da realidade em que o insólito e o inverossímil estão, por definição, proibidos. O fantástico pertence a um mundo que não se comporta de acordo com a lógica das leis do homem e da natureza. Por isso mesmo, ele não poderia respeitar as fronteiras de um estado de forma a definir uma criatividade limitada às linhas imaginárias de um mapa geopolítico. “A literatura tem muitas influências, o que dificulta achar uma digital muito precisa do que poderia ser diferente com relação a outros estados. A identidade social e cultural de cada estado podem aparecer nos contos oferecendo algum grau de diferenciação, mas, em geral, os autores estão tão contaminados com leituras das mais diversas que fica complicado definir o que poderia ser tão específico nesse recorte que está sendo feito agora na Paraíba”, afirma o organizador.

Natural de Itabaiana, no Agreste paraibano, André Ricardo Aguiar é poeta, contista e autor de livros infantis. Ele entrou nesse projeto a convite da Arribaçã, de Cajazeiras, no Sertão do estado. Desde criança, Aguiar atiçava a sua curiosidade encarando o assombro do escuro da noite e sempre teve uma tendência para buscar histórias de assombração que percebia na casa de sua avó. E isso se refletiu em sua carreira literária, tanto nas obras infantis que publicou quanto nas adultas. “Isso é algo que vai me influenciando por conta também das leituras. O Julio Cortázar é um autor que é considerado da estirpe do fantástico. O Kafka também tem um pouco disso”, relaciona ele.

Casa Encantada – O conto fantástico paraibano está em pré-venda na plataforma do Catarse (www.catarse.me) e tem lançamento previsto até o final deste ano. Os contos presentes na coletânea seguem livremente o desenvolvimento de uma ideia, explorando a ambiguidade entre o real e o irreal, desafiando as fronteiras do conhecido e abrindo espaço para o extraordinário, o sobrenatural e o inusitado. É essa ideia que se impõe à trama da história narrada, ao tratamento estético e ao local onde ele é ambientado, que pode ser em uma casa no Sertão da Paraíba ou em uma metrópole de outro planeta.

 

Matéria publicada no Jornal A União, edição de 22 de junho de 2023

Deixe uma resposta