Elmano Menezes mostra as mortes diárias que existem em nossas vidas

Por Linaldo Guedes

Ariano Suassuna a definia como o único mal irremediável, que iguala ricos e pobres. A morte é sempre um tema que preocupa filósofos, religiosos e poetas, entre outros. Há quem diga que as religiões, inclusive, nasceram como forma de amenizar em vida o medo da morte. Na poesia brasileira, talvez o mais célebre poema sobre o tema seja “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, que ganhou a parceria musical de Chico Buarque e a voz rasgada de Elba Ramalho na interpretação. O poema de Cabral é narrativo e retrata a luta do imigrante nordestino, ao fugir da seca, da morte causada pela fome e pela miséria.

Outros poetas usaram o tom mais lírico e menos dramático, ao falar da morte. Mário Quintana, por exemplo, é irônico ao dizer “Minha morte nasceu quando eu nasci” e bem lírico ao falar que “Os cabelos da morte são entrelaçados de flores”. Manuel Bandeira desejava “morrer completamente, sem deixar sequer esse nome” e dizia fazer versos como quem morre. Já Fernando Pessoa falava que “a morte chega cedo”.

Elmano Menezes não chega a ser tão dramático ou trágico ao falar do tema em seu livro de estreia “O feudo do morto”, publicado pela Arribaçã Editora em 2021 com capa de Leonardo Guedes. Elmano é nome de proa da poesia paraibana há pelo menos três décadas, mas só publica seu primeiro livro agora.

Nascido na cidade de Campina Grande, Elmano Menezes logo cedo foi morar em João Pessoa, onde teve a oportunidade de conhecer diversos escritores e intelectuais da terra. Com o poeta Águia Mendes, desde a adolescência, começou se interessar pela literatura e pelas artes. Frequentou o grupo de arte Jaguaribe Carne, dos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró. Contribuiu, também, com o Correios das Artes e as revistas literárias Usina e Garatuja e se diz autor de diversos livros ainda não publicados. Águia Mendes, aliás, afirma que a estreia em livro de Elmano é um fato para se celebrar, para se prestar reverência mesmo, uma vez que o poeta não parecia movido pela ambição de reunir algum dia parte de sua instigante poesia numa publicação.

De fato. E o interessante é que o nascimento de Elmano como poeta em livro próprio acontece falando de morte. Certo que estamos em período de pandemia, com os recordes de morte sendo quebrados diariamente em função do Coronavírus, que não quer mais deixar a gente viver em paz. Mas engana-se quem acha que vai encontrar em “O feudo do morto” poemas sobre a Covid, como a maioria dos escritores e poetas têm feito do ano passado para cá. Claro que há, aqui e acolá, referências à Covid nos poemas do livro, até porque o poeta não pode deixar de ser testemunho de seu tempo. Mas o livro não é sobre o vírus ou as mortes causadas nesta pandemia.

Pegue o acaso qualquer um dos poemas do livro e perceberá, enquanto leitor, isso que falei acima. São poemas sobre as várias faces da morte, como “feudo”, o primeiro do livro:

o que resta –

a borda

do precipício

 

palavras mortas

e lábios impuros

 

deixa tua mão migrar

deixa ela colocar

no atrium

do martírio

 

a voz de teu morto

que te corta a jugular

e depõe teus olhos

na escuridão

 

A partir deste primeiro poema, Elmano expõe seu testamento poético sobre a morte. Em “fênix fendida” pergunta quem está por perto dos mortos, “emparedado pela vigília da cidade”. Em “pacto” é cruelmente sincero: “os mortos não-mortos não choram// vestidos de cinzas nos olhos/repartem do morto/ a carne”. Em “pós-escrito” diz que para enganar a morte só se entregando ao diabo. Em “ato contínuo” vê a morte no espelho. Em “Sanhauá” fala da morte-viva do rio. Em “verão”, mostra que “estamos mortos/ confinados em livros/ que se voltam contra nos”. Em “e o triunfo” a morte chega através do sexo. Em “do náufrago”, a morte é desalentadora, de corações outrora apaixonados, hoje reféns apenas da bebida.

Há poemas para todas as mortes. Físicas, espirituais, líricas, dramáticas, trágicas, sem medo de viver poesia. Elmano tem um estilo próprio de fazer poesia. Um estilo que a gente lê com um sorriso de medo nos lábios, tal a graciosidade mórbida de alguns poemas. Os poemas de seu livro de estreia vêm todos acompanhados de epígrafes de nomes célebres da literatura e da história, sobre os temas enfocados. Há poemas curtos e longos no livro, há homenagem a Augusto dos Anjos em mais de uma oportunidade, como neste “deserção”:

 

semeio

em teus cabelos

meu medo

 

na tua boca

o escarro corrompido

de augusto

 

e no teu clã imemorial

os mares calcinados de Júpiter

 

Guimarães Rosa falou que a morte é para quem morre. Ouso discordar do mestre mineiro. A morte é também para quem vive. Basta ler os poemas de Elmano Menezes e conhecer os vários tipos de mortes que existem em nossa vida.

 

Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.

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