Linaldo Guedes e a poesia geográfica

“Em Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, seu décimo segundo livro, Linaldo Guedes apresenta poesia ousada desde o tema. “Cabo Branco*, o que ou onde seria isso, meu Deus do céu?”, me perguntei quando soube do título da obra. O leitor descobrirá comigo, caso não tenha morado ou passado férias em João Pessoa. Assim, em um Brasil que abriga multifacetados brasis únicos, caminhar pelas ruas e areias da praia de Cabo Branco será dádiva. Os demais lugares mapeados pela Poesia de Linaldo Guedes é plus. Rima rica. Fecho de ouro.

De início, o leitor sentirá a maciez da areia de Cabo Branco sob os pés. E reconhecerá amigos nas barracas e bares, em conversas descontraídas, brindes e celebração. E se deleitará com a música das ondas a bater nas pedras. Sentirá o sal, trazido pelo vento. Todos, à uma, explosão de alegria gratuita. Crianças (ah, nossos meninos presentes e pretéritos!) e gaivotas (ah, nossos voos!) bem o sabem: a maçã do amor/pregava o céu na boca/ mas o menino era tão pequeno/tão miudinho/que nem sabia dos feitiços/afrodisíacos daquela fruta vermelha”. (Em “A festa da santa”).

Porém, não se enganem, os conflitos, as dores, a vida comum dos habitantes locais, dos comerciantes, até mesmo dos turistas, são alvo de poesia: “[…] de outro, rumo ao centro/buzinas, pedintes, assaltos, acintes/e a certeza de que tudo é um mar/(de caos).”.

A morte em Cabo Branco é, paradoxalmente, repleta de vida. Explico. As lembranças são hoje, na poesia de Guedes. Há uma saudade, por vezes melancólica, por vezes carne-viva, a permear os versos dele, que nos faz sentir saudades de nós mesmos, tanto pelo que tivemos intensamente, quanto pelo que nem vivemos. Especialmente pelos que estiveram conosco:

“(Solar dos Guedes) sempre que o domingo amanhece/ali estará sua sombra, pai/plantando flores/no jardim do legado/salvo-conduto para toda uma geração órfã/(de si mesmo)/ sempre que o domingo floresce/ ali estará sua doçura, mãe/ regando amores/ cozinhando dores/temperos apimentados no rubacão/(gula sertaneja)/ sempre que o domingo alegrece/ali estarão os irmãos/som alto, falas altas, silêncio alto/(e os choros enxugados no quintal).”.

Somos convidados a caminhar pela dimensão descrita por Baruch Espinosa, em “Ética demonstrada à maneira dos geômetras”. Sim, há sons tão baixos, ou tão altos, que não podem ser capturados por ouvidos humanos. Luz e escuridão tamanhas que não foram feitas para o olhar limitado e comum. Distâncias macro e microcósmicas inacessíveis ao nosso espaço/tempo. No entanto, Linaldo tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, além de voz profética para “clamar ao deserto”, quando ousa “ressuscitar ossos secos”, do vale, que se tem transformado o Brasil contemporâneo. Ele sabe: a poesia salva.

“Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa” tem gosto. De carne (de sol), de fruta suculenta que lambuza a cara. Tem sabores. Agua a boca, especialmente quando fala amor. Eros passeia sorrateiro, lascivo e consciente do poder que tem, quando a Poesia deita na cama ou debaixo das palmeiras. Daí, a geografia se torna curva, cheia de montes, bacias e campinas a serem explorados. Lábios, pele, pelve, púbis… e mais, sobre isso, não revelo.

O livro, dividido em quatro seções, é pródigo em poemas que homenageiam amigos e amados. Chorei de emoção com “Monólogo de um gentio”, para Nonato Guedes. A beleza comove. Vinícius, o filho, tem lugar de honra. Conheci melhor os parceiros do Poeta. E suas terras. Suas casas, todas únicas. Todos eles, ímpares. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Maranhão, Brasília, São Paulo (o Rubens Jardim é lindo!, juro)… cada bairro, cidade, estado, um novo olhar poético a nos desafiar a rasgar o véu que separa o profano do sagrado. Eu me tornei, e o leitor se tornará, amigo/família dos amigos/familiares de Linaldo.

Com onze livros solos publicados e dezenas de textos, sobre os mais diversos gêneros, veiculados em revistas literárias físicas e eletrônicas, além de blogs, sites e redes sociais, Linaldo Guedes se fez conhecido no meio literário. Na Arribaçã Editora, tem se firmado como editor, com alguns dos autores figurando entre os finalistas de importantes prêmios nacionais. Nascido numa família de jornalistas, começou a escrever, ainda menino, no “Jornal Guedes”. De lá para cá, não parou mais. Diante de tal currículo, bastaria a menção do nome “Linaldo Guedes” para que se tivesse a certeza de excelência literária. E eu aqui, pupila dele, a recomendá-lo. Baita privilégio!

 

Ivy Menon

Rio Negro, dos pinheirais do Paraná

Julho de 2022

 

* Cabo Branco é uma das principais praias do litoral paraibano, localizada na cidade de João Pessoa. Considerado o ponto mais oriental das Américas.

 

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O livro “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, de Linaldo Guedes, pode ser adquirido no site da Arribaçã no seguinte link:

http://www.arribacaeditora.com.br/cabo-branco-e-outros-lugares-que-nao-estao-no-mapa/

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