Por Artur Gomes Com Os Dentes Cravados Na memória
Meu contato com a Lourença Lou, se dá através do face, como tantos outros. Esta semana o seu poema “Pantaneiro” me chamou a atenção, não apenas pelo foco da poética, mas também pela forma do uso da linguagem para expor uma tragédia. Aí, lhe propus a EntreVista e acabei descobrindo que as afinidades com o que penso e faço sobre poesia, são muito mais profundas do que a primeira vista poderia imaginar.
Lourença Lou – é mineira, professora e administradora. Às vezes é prosa, quase sempre, poesia. Participou de inúmeras coletâneas, Livros da Tribo, revistas e jornais literários, impressos e virtuais, com poemas, crônicas e contos. Publicou três livros de poesia pela Editora Penalux: Equilibrista (2016), Pontiaguda (2017), Náufraga (2018). Este ano, publicou seu primeiro livro de contos – O insuspeitável perigo do instante-beijo e outros contos – pela editora Arribaçã.
Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?
Lourença Lou – Hoje, a poesia é uma característica latejante da minha personalidade. Como um corte que pulsa na carne, independente do momento e do lugar ou de se transformar efetivamente em algo concreto.
Nem sempre faço poemas. Às vezes, apenas escrevo um ou outro verso que guardo ou perco nas inúmeras e embaralhadas pastas do meu computador. Outras, o poema me surpreende ao ganhar uma vida independente, muitas vezes surpreendente, quando segue uma direção que eu não apontei.
Artur Gomes – Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Lourença Lou – Tenho incontáveis poemas preferidos – desde clássicos a contemporâneos. E esta preferência é cíclica. Sigo me apaixonando pelos poemas e as últimas paixões são sempre as mais profundas. Neste exato momento, acabei de ler e me apaixonar por este:
Muito além dos corvos
Fábio Casemiro
Eu que não dou conta desse mundo polifônico,
cheio de fantasmas cantantes
Esquálidos esquifes dizendo eu sou.
Já eu, não. Não sou nem isso, nem aquilo.
Eu sou o outro que olha o mundo pela janela de
dentro,
Da prisão eu sinto como porta cada barra da grade
da vida.
Nessa prisão de almas em vídeo clipe, inferno de
Dante, a saída é entrando cada vez mais. Quem
poderá diante do deus faminto, erguer suas hastas
em hostes, entre hashtags ou óstias ?
Esse é o fim, meu doce amigo. O fim já estava lá dentro,
a fruta dentro da casca gritava zumbindo como
mosca: podres todas as canções.
Sem você ao meu lado, o chão é mole como cera.
Como
São mais moles agora as placas da história,
Se o poeta soubesse,
Ele cantava todas as canções de caçada,
Regadas a vinho falerno,
Nos aquecia com mais histórias,
Urubu cabeça de martelo
E não nos deixava no inverno desses nossos dias
Eu não teria jamais o deixado ir, ainda mais
No dia santo do lagarto rei.
É noite, minha alma se aclara,
O véu da madrugada se volta contra os
achacadores de revolta e volta
A nos assombrar com o vívido véu da morte.
Com sorte, minha consorte nos trará sonhos para o
convescote
A morte
A morte quer o mundo e eu,
Simplesmente,
Só sei desobedecer com a arte,
Os doces espantalhos no meu quintal.
Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?
Lourença Lou – Tenho vários. Um deles, talvez o mais lido, é sem dúvida Drummond. Me apaixonei pelo livro “A rosa do povo” muito antes de escrever poesia. Daí, virei uma leitora voraz do meu conterrâneo. Mas leio com frequência: João Cabral, Hilda Hilst, Ezra Pound, Rimbaud, Bukowski, Pessoa, Maria Teresa Horta, Maiakovski, Mallarmé, Chico Buarque, Eucanaã Ferraz e mais alguns. Leio também vários poetas amigos. Alguns, gosto demais.
Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Lourença Lou – Como disse, a poesia vive latejando em mim. Especialmente a poesia erótica – embora no momento eu a esteja ignorando. Então tudo e qualquer coisa vira pedra de toque. Ainda não sei muito de poesia, mas o que sei devo a Linaldo Guedes, Paulo Bentancur e atualmente a Claudio Daniel, com quem faço oficina e com quem estou aprendendo a me jogar em novas experiências poéticas. E apesar das inúmeras fontes de inspiração que é o dia a dia neste nosso país, estabelecer um tema e uma estratégia poética tem me divertido – embora nem sempre eu consiga bons resultados. Enfim, sigo escrevendo de qualquer jeito.
Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?
Lourença Lou – Sem dúvida, o meu próximo livro: “Há muito não te desenho elefantes – poemas do amor e da guerra”. Embora eu goste muito do meu primeiro livro, Equilibrista, que tem o aval de três grandes poetas – Leila Míccolis, Paulo Bentancur e Wander Porto – nunca reescrevi tantas vezes um livro, como tenho feito com este que teve a publicação adiada pela pandemia. Talvez ele seja o último, por isso eu o veja como definitivo.
Artur Gomes – Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿
Lourença Lou – Minhas primeiras investidas na poesia foram através da prosa poética, influenciada por tudo que li e reli de Clarice Lispector. Cheguei mesmo a iniciar algo parecido com um romance. Abandonei quando descobri que podia escrever poemas. Definitivamente, fiquei presa nos versos. É onde tenho liberdade para costurar minhas sobrevivências.
Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Lourença Lou – Vários. Haja pedras! Este é um dos últimos:
quando a ordem é resistir
faz anos
parte de mim grita rouca
enquanto a outra
rasga inutilmente as vestes
a cada morte embalada
no conceito arraigado
que homens são pontos finais
não me digam o que devo matar
o grito rascante não impede
que a língua se torne navalha.
Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Lourença Lou – Quando eu era ainda bem jovem lutei pela certeza de que conseguiríamos livrar este país da mão pesada do AI-5. Continuo com a mesma certeza: os fascistas passarão. Nós, passarinhos, continuaremos “caminhando e cantando e seguindo a canção”.
Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Lourença Lou – Não sei se faço parte de alguma tribo. Sou uma leitora compulsiva que um dia não deu conta de guardar o mundo dentro de si. Por acaso virei poeta, cronista, contista. Mas sou mesmo é apaixonada pelos escritores que já citei e mais algumas dúzias de outros. E pela poesia.
Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Lourença Lou – Eu me vejo como uma eterna militante de poesia. Para mim, ser militante é ter poesia no sangue. É viver pisando em brasas, abraçar o sentimento do mundo, cutucar feridas, expulsar assombrações, escrever sem medida.
Artur Gomes – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Lourença Lou – Artur, sou um bicho-do-mato que só se sente à vontade em seu pequeno mundo. Quando você me convidou para esta entrevista, quase desisti. Seria sair da casca para um mundo muito além de mim e que nem sempre me interessa. Sou uma desconhecida e, embora tenha mania de publicar livros, não sei se quero deixar de ser. Entretanto, foi uma grata surpresa. Me senti à vontade, como se estivéssemos batendo papo. E satisfeitíssima por ter chegado até aqui. Te agradeço muito pela oportunidade e atenção. Gostei demais.
(Entrevista publicada no blogue de Artur Gomes: https://arturgumes.blogspot.com/2020/09/lourenca-lou-entrevistas.html#more)