Machucados da alma em versos; Arribaçã lança “Fratura Exposta: Fissuras”, livro vencedor do concurso de poemas da editora

Por Esmejoano Lincol

 

A intervenção médica para feridas graves varia de acordo com os tipos de trauma e dos profissionais que nos atendem. Mas como lidar com os machucados da alma, que não são visíveis e são difíceis de remediar? Com uma imagem forte  dando título ao seu novo livro, o escritor paraibano Egberto Vital estreia uma coletânea de textos em versos: em “Fratura Exposta: Fissuras”, o autor prescreve a poesia como tratamento. A obra chegou a público esta semana, em versão física e digital, depois de vencer um concurso literário promovido pela editora cajazeirense Arribaçã, no primeiro semestre de 2024. O lançamento oficial será em novembro, durante a Feira Literária Internacional de Campina Grande (Flic).

A leitura das obras de autores célebres como Silvino Olavo, Augusto dos Anjos e Adélia Prado inspirou Egberto, então adolescente no município de Esperança (agreste da Paraíba), a trabalhar com as letras — tanto enquanto poeta, escrevendo os seus primeiros poemas, quanto, mais tarde, como professor da rede pública de ensino da Paraíba. Em 2011, publicou “Sinestesia”, reunindo alguns de seus primeiros trabalhos. “A partir daí fui participando de algumas antologias, utilizando o espaço das redes sociais para divulgação dos meus escritos, até, em 2023, publicar Rasgos Poéticos, meu segundo livro de poemas, que surge em um momento de maior maturação como sujeito e escritor”, explica.

Descrevendo o livro anterior como um mergulho em si mesmo, propiciado pelo isolamento da pandemia, o poeta define sua nova empreitada como um “passeio” pelas feridas emocionais que foram se abrindo ao longo de sua vida, externalizando outros processos complexos pelos quais passou. “As ‘fraturas’  são emocionais, sociais, culturais e pessoais. Enquanto escrevia, lidava com as minhas próprias vulnerabilidades e os desafios da paternagem por meio da adoção. As ‘fissuras’ falam de relações interpessoais, da solidão e da luta para sobreviver em um mundo que muitas vezes nos fragmenta”, pontua Egberto.

“Arrancar o band-aid da ferida”, expressão que o autor utilizou durante a entrevista, ilustra aquilo que ele mesmo sugere nos versos do poema “Palavra-fissura”: “Este texto trata da linguagem como algo que nos quebra e nos reconstrói. A palavra, nesse contexto, é tanto corte quanto cicatriz, capaz de expor as rachaduras da alma”. Ele também elenca “Cais do Valongo” como outro texto que lhe é caro no livro: “Surgiu logo após a leitura do romance O Crime do Cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz. Ele faz um retorno às memórias ancestrais, remetendo à dor coletiva do passado”.

“Fratura Exposta: Fissuras” foi submetido à segunda edição do Concurso de Poesia Arribaçã, concorrendo com outros 28 autores de todo o Brasil. Egberto  celebra a conquista e pontua a importância de ter sido publicado por uma editora local e independente: “Sinto que minha obra ganha outra dimensão quando está amparada por quem acredita no próprio meio. Linaldo Guedes e Lenilson Oliveira (editores) provaram que têm esse compromisso”. Por fim, o poeta almeja que seus versos sirvam ao público de maneira terapêutica — “como lentes” através  das quais possamos enxergar nossas próprias dores: “Quero que eles atravessem meus leitores de forma íntima, tocando as feridas que muitas vezes mantemos escondidas”.

 

Um poema do livro

 

eu quero dizer-te o que sinto

usando a palavra-fissura

quero escarnar-te

raspar-te

até o branco do teu osso

escalpelar-te em conceitos

expor, de teu crânio, as

rachaduras

atravessar-te a moleira

com uma palavra-fissura

(…)

 

FRATURA EXPOSTA:

FISSURAS

– De Egberto Vital.

– Editora: Arribaçã.

– 112 páginas.

– Preço: R$ 50 (físico)

– R$ 35 (e-book).

 

(Matéria publicada no jornal A União, dia 26 de outubro de 2024)

Deixe uma resposta