Madalenas de papel

Por André Ricardo Aguiar

 

Tomei conhecimento de Madalenas Desarrependidas, de Angela Zanirato (Editora Arribaçã), no meio de um vendaval de poemas e originais, (muitos duvidosos). Foi uma descoberta tipo iceberg, a ponta dos primeiros versos da autora ainda me revelaria um bloco imenso de poemas candentes, ferinos, dilacerantes. E sobressaiu-se bem. Era para um concurso. Sua poesia tomou uma dianteira impressionante e não me saiu mais a certeza de que ali a poesia vingava por um vendaval. Tinha tomado conhecimento dos versos de Zanirato pelas redes sociais, mas como é comum acontecer, muito se publica e nossa atenção fica dormente. Agora um concurso feito pela Editora Arribaçã me deu a chance de ver um projeto coeso e uma poeta que sabia o que estava fazendo.

Não vou entrar no mérito de uma análise profunda de alguma viga mestra que sustenta o livro, mas o título chamativo indica sim, uma postura sobre o universo feminino. No que carrega de dor, de luta, de enfrentamento. As realidades de muitas Madalenas. E é um ângulo de mirada buscar essa voz: nos poemas da série Maria de Magdala ressoam a força avassaladora de sua estirpe, são vitrais de luta através dos tempos. Mas o livro também tem variações líricas, uma postura perante o mundo (e é tentador ver que a autora vai do registro bíblico ao pendor mínimo, suas miradas de microscópio), seu percurso como mulher, sua filosofia própria. Mas é um olhar singular e plural ao mesmo tempo. Ela fala por muitas. E o que fala, também são muitos dentro dela, um murmúrio avassalador:

 

“não é qualquer tábua

que me salva

não me prego em qualquer cruz (…)

 

Há os mais diversos vestígios de que essa poesia cria um seu ambiente, suas recorrências: trasbordamentos, pedras, sangue, feridas, água. É desse usar e abusar de temas que se constroem os ecos com que os poemas levam os leitores para bem longe — ou bem perto. No ato de registrar meu parecer sobre o livro, disse o seguinte: Como disse Ezra Pound sobre literatura, e usando o caso específico do poema como linguagem carregada de significado até o grau máximo possível, esta obra alia uma temática que expande sobre a vida feminina, e em sucessivas camadas, atinge o cerne de uma vivência sobre o mundo, seus efeitos e contrastes. Afora isso, é uma poesia ousada, investida de imaginação e questionamento, dentro de uma proposta que põe o leitor em alerta. Sua capacidade em não tratar o poema como projeto fechado, mas aberto em suas inusitadas trilhas. E por último, há o tão inesperado estranhamento, no melhor sentido do termo. Recomendo fortemente sua publicação.

Eis aí, portanto, Madalenas Desarrependidas. Nem o leitor vai se arrepender.

Aguiar

 

(André Ricardo Aguiar é poeta e escritor e integrou o juri do I Concurso Literário Arribaçã – Poesia, em 2020)

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