No candomblé, o baobá é considerada uma árvore sagrada (ossê, em iorubá e akpassatin, em fon), e nunca deve ser cortada ou arrancada. Pensemos neste livro de Veruza Guedes como algo assim. Uma planta que começa a crescer, a crescer e, sobretudo, a florescer. E não apenas numa única noite. “Os baobás do Pirulito”, este livro que agora tem em mãos, caro leitor, faz um resgate interessante e muito bem escrito de uma Cajazeiras recente. De personagens, em sua maioria anônimos, que merecem ter um registro em livro.
São mini-crônicas, mas também podem ser lidos como contos. Em sua maioria, prosa poética da melhor qualidade. Nela, o leitor vai pular os muros de ruas de infância e vivenciar aventuras líricas por bares e lares cajazeirenses. Como não se emocionar e até se descuidar com uma lágrima querendo cair do olho ao ler a narrativa sobre Fátima Baixinha, perdida no labirinto da memória? Ou encontrar pedaços da narradora enterrados na quadra aberta do Colégio Estadual?
Veruza faz prosa poética do melhor nível. Como quando fala do medo de que se destrua a eternidade de um velho casarão abandonado. Ou quando deseja esquecer a vida em seus bancos e praças. E o que falar da mania de buscar o abismo, prestando atenção em pássaros e silêncios, enquanto Bonifácio segura o tempo?
Em “Os baobás do Pirulito” Veruza segura o tempo de uma Cajazeiras lírica, mas ainda recente em nosso imaginário. A partir do título e em outros lugares e personagens mencionados ao longo das crônicas: Playboy’s Drink’s, Galera do Mal, Bar do Nô, Rosa, NPR… Como ignorar a poesia que dorme no calor de Cajazeiras lendo tanta crônica com referências aos itinerários da cidade?
Ah, se tem alguma dúvida, tente entender como o Aracati chega desajeitado na noite cajazeirense. Coisa de só quem tem a alma de poeta, como Veruza Guedes, pode perceber.
“Os baobás do Pirulito” chega carregado de lirismo, com muitas reminiscências de uma Cajazeiras recente e um tom de nostalgia que perpassa em todas as páginas. Em algumas, até de melancolia. Mas quem disse que a boa literatura não é melancólica?
O baobá é considerado um elemento de conexão entre a multiplicidade dos “mundos”. Que Veruza nos deixe conectados a um mundo de uma Cajazeiras que não devemos perder.
(Texto publicado no prefácio de “Os baobás do Pirulito”, de Veruza Guedes, Arribaçã Editora, 2019)