Manuel Bandeira, na sua autobiografia “Itinerário de Pasárgada”, diz que “(…) ia-me eu embebendo dessa ideia de que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”.
Certamente é isto que Linaldo Guedes faz no seu “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, vindo à luz nas asas da Arribaçã, não obstante os flagrantes e talvez inconscientes diálogos com o mais decantado poema de Bandeira, um dos grandes mestres do verso livre: “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Guedes, nascido em Cajazeiras, da qual resgata reminiscências da infância, misturadas com outras de Codó (MA) e João Pessoa, onde viveu toda a adolescência e parte da vida adulta, presenteia os leitores com o seu itinerário próprio na busca pela sua Pasárgada, lançando mão de um lirismo idílico, por vezes saudosista, levando o leitor também a outros lugares visitados por ele.
Mesmo com perspectivas diferentes, pois enquanto “Vou-me embora pra Pasárgada” projeta o lugar ideal para viver, influenciado pelo momento de angústia vivido por Bandeira, “num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença”, Linaldo Guedes faz o eu lírico passear por lugares e situações vividas por ele, tão marcantes que tomaram a forma de poesia, não pude deixar de fazer essa comparação, tão logo comecei a ler os originais de “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”.
A comparação começou a ser instigada pelo próprio título. Que “lugares que não estão no mapa” estariam nas páginas do livro? Com a leitura, vamos vendo que não são apenas lugares físicos, mas também de memórias afetivas do poeta. Os lugares físicos, na verdade, são o que menos importam na poética de Linaldo Guedes.
Se sobre a sua Pasárgada, Bandeira diz que “Lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei”, Guedes fala do sexo arrebatador em (Fade out):
transaremos feitos loucos, apaixonadamente,
todo santo dia, toda santa hora
“Andarei de bicicleta”, diz o eu lírico bandeiriano sonhando com sua cidade etérea, ao que Linaldo resgata sua imagem de menino pedalando pelas ruas de Cajazeiras, talvez a sua Pasárgada, “como no tempo em que alugava bicicletas e suas dores se resumiam às quedas na 21 de Abril”.
Se Bandeira diz:
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Em “(Cabo Branco e outros mares)”, Guedes também fala dos seus mares interiores, com toda a simbologia na vida do menino que cresceu mergulhando nas praias de João Pessoa:
trago outros mares que jogam suas ondas em minha lida
(…)
trago dores e os banhos de sargaços na alma
trago tatuagens, marcando minha pele necromante.
“Vou-me embora pra Cajazeiras”, quem sabe tenha dito o poeta em vários momentos da vida, acalentando o sonho hoje realizado de tornar à terra natal, com o (ainda) bucolismo de cidade de interior. É como diria Bandeira:
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
(..)
Vou-me embora pra…
Cajazeiras.
Lenilson Oliveira
Em plena quarentena de maio de 2020
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O livro “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, de Linaldo Guedes, pode ser adquirido no site da Arribaçã no seguinte link:
http://www.arribacaeditora.com.br/cabo-branco-e-outros-lugares-que-nao-estao-no-mapa/