Romance de Cássia Fernandes contém histórias para encantar os leitores

Hélverton Baiano

Especial para o Jornal Opção

 

O romance “Histórias Encantadas Entre Cordilheiras de Areia”, que a escritora Cássia Fernandes lança pela editora paraibana Arribaçã, é um refrigério para quem gosta de ficção com requintes de uma criatividade saborosíssima. A leitura é gostosa e a autora mete os peitos na lógica e traz um mundo estrambótico e cheio de livuzias que graciosamente permeia nossa realidade com tudo que ela tem de ficção.

É um livro de leitura fácil, que prende o leitor numa trama sem trauma e que faz a gente viajar no encantamento. Primeiro, as protagonistas são duas mortas, Amapola e Varsóvia, que aparecem e somem numa cidade de nome Anhangás, com todos os predicados do lugar cearense onde hoje a autora, que é goiana, mora. Ela absorveu e conta, misturando ficção com realidade, um tanto de lugares e gentes exóticos e excêntricos, onde acontecem corriqueiramente fatos inusitados e situações esdrúxulas, que imagino ter muito da realidade vivida pela autora nos últimos quatro anos, quando passou a viver em Jericoacoara, um paraíso turístico à beira mar.

Acompanho Cássia de bem antes de Lucivânia Fernandes e do romance “Cartas Que Não Te Escrevi”, prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina, 1999, da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, publicado em 2000. Uma trajetória que passa também pela poesia de “Almofariz do Tempo”, 2016, selo Pantheon, da Nega Lilu Editora, de Goiânia, pelas crônicas que publica quinzenalmente num jornal e pelo jornalismo, onde fomos forjados.

E aí já se via que não corria da polêmica e da irreverência, qualidades marcantes de sua literatura, que joga o senso comum na lata de lixo. E isso é um luxo. Esse exotismo tempera suas “Histórias Encantadas” e nos deixa encantados. Ainda bem que essa menina não tem papas na língua e o deleite é certo. Nessas histórias que ela inventa ninguém sai do jeito que entrou, ainda bem, porque o compromisso dela com a irreverência é fundamental. A literatura agradece.

Os leitores se preparem para uma deliciosa viagem onde há jegue de estimação e que recebe comida na boca, espíritos comedores de carne, uma mulher desengonçada que dizia ter namorado um príncipe que descia das árvores, um saxofonista que fazia instalações com o lixo recolhido, bares, restaurantes e logradouros com os nomes mais exóticos e os personagens, donos e frequentadores, mais destrambelhados ainda, além de festas que as pessoas se embriagavam tanto que “se olhavam sem se enxergar”.

Vão encontrar também várias galeras de todo tipo de gente extravagante, feministas, porras-loucas, bichos-grilos, baitolas, machos, cabras da peste, cristos reencarnados, entre outros, de forma que “se cercar é hospício, se cobrir é circo” como diziam. Cássia conta uma história onde todos se interagem, poucos se entendem e o convívio é uma festa. Os mortos têm lá uma vida e sentimentos finos, como Amapola que chegou a sentir tédio com a eternidade no paraíso. “Faltava-lhe na morte, como na vida, um propósito, um sentido, um amor talvez, encontrar a prometida alma-gêmea. Faltava-lhe encontrar na morte a graça e o encantamento que lhe faltaram em vida”, como diz o narrador sobre a personagem, que, ao final, sim, ao final fica a curiosidade para quem ainda vai ler o livro, como espero.

Muitos desses personagens são tirados da realidade do interior do Brasil, onde proliferam essas pessoas inventadas pela ficção e que convivem alegres com o mundo real. A história perpassa pelo tempo da Grande Gripe da Coroa de Espinhos, numa alusão à pandemia da Covid-19 que assolou o mundo entre 2020 e 2022, principalmente, e que matou muita gente viva e alguns mortos. Os ventos também, muito comuns nas regiões beira mar, são personagens à parte, que atuam movimentando a areia, cobrindo coisas e descobrindo outras, mudando as coisas de lugar, arrancando portas e janelas de casa amaldiçoada, soterrando gente bêbada como seu ‘celular’, nome dado à garrafinha de pinga com que se costumava enterrar os defuntos. O livro é uma delícia e por isso fica o convite a se deleitarem em suas encantadoras 186 páginas.

 

* Hélverton Baiano é escritor e jornalista. É colaborador do Jornal Opção. O texto acima foi publicado no jornal Opção: https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/romance-de-cassia-fernandes-contem-historias-para-encantar-os-leitores-522913/?fbclid=IwAR3TqNY4T-AH5ryBLdb6BGSemiUsdNKQFsTzUKRHqUG0EY7LRx9VecPXjvE

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O livro “Histórias encantadas entre cordilheiras de areia”, de Cássia Fernandes, pode ser adquirido AQUI

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