Estive adiando a leitura de “O coração pensa constantemente”, de Rosângela Vieira Rocha, desde o final do ano. Cada vez que abria o livro, tinha a impressão de estar invadindo a intimidade alheia. A obra é uma espécie de lamento pela morte de sua irmã – uma narrativa que recupera um pouco da história dela e realiza o luto. Mas não é só isso.
Quanto mais se lê, mais perto de suas próprias feridas você chega. É que, ao evocar seus mortos, um bom escritor/uma boa escritora abre, generosamente, espaço para os nossos, também. Justamente por isso, aos poucos o texto vai se descolando do que parecia ser sua proposta inicial e abrangendo uma extensa gama de emoções e de possibilidades de ser. Tanto a irmã narrada quanto aquela que narra vão ganhando a firme consistência das personagens e, assim, nos permitem sentir empatia, raiva, decepção, afeto.
Também é um livro sobre o convívio com a doença e sobre o luto durante a pandemia, quando estamos distantes daqueles que poderiam, ao menos, dar guarida à nossa dor. Por fim, é uma homenagem à infância, àquilo que nos constitui, com as boas e as más lembranças do que vivemos. Nesses momentos, a narradora nos conduz, sem idealização, por outros tempos, e transitamos pelo seu vilarejo, pelas brincadeiras no mato, pelos primeiros namoros e primeiras escolhas, pela difícil convivência com os adultos.
É um livro muito bem executado, que nos convida a sorrir melancólicos em meio à mais devastadora dor.