Por Lima Trindade*
Uma rota personalíssima empreende José Inácio Vieira de Melo em toda sua poesia, sendo seu mais novo livro, Garatujas Selvagens, a confirmação de um talento que não se dobra a modas, ao velho “novo” das fórmulas e olhares comandados por apelos comerciais e “tendências”, mas exprime um lirismo que abarca registros urbanos e sertanejos, memória da cultura popular e erudição, influências pop e surrealismo. Ou seja, trata a vida em sua máxima complexidade e não se recusa a extrair o valor múltiplo que há no caos do nosso cotidiano.
Em Garatujas Selvagens, sua fonte busca a palavra cristalina submersa nas águas do mito, nas origens: “Cunhar abalos sísmicos / eis meu ofício. / Mergulho no sonho / e vou ao mais profundo / em busca do incriado.” E brinca (provoca) com o conceito de garatuja e o senso comum de que é indecifrável, retomando a essência lúdica do sentir, estabelecendo uma proposta de aprendizagem na experiência direta, no contato com o belo: “Em algum tempo / em algum setembro, / em algum domingo, / conformar-se em algo íntegro/ que possa se expressar tão lindamente / e que esse movimento não seja indiferente”.
A edição da Arribaçã Editora é primorosa e conta ainda com a luxuosa colaboração de Ramiro Bernabó nas ilustrações e fotos de Ricardo Prado.
(*) Lima Trindade nasceu em Brasília e vive em Salvador. Publicou As margens do paraíso (romance, 2019), O retrato: ou um pouco de Henry James não faz mal a ninguém (novela, 2014), Corações blues e serpentinas (contos, 2007), Supermercado da solidão (novela, 2005) e no mesmo ano Todo sol mais o Espírito Santo. Seus contos estão traduzidos para o espanhol, inglês e alemão. É editor e mestre em Teoria da Literatura pela UFBA.