Ventos do Nor (des) te

Se cartograficamente o ponto colateral Nordeste é entremeio dos pontos cardeais Norte e Leste, literariamente este território é acervo artístico-cultural ressonante aos demais pontos da rosa dos ventos. Tal diversidade literária incita a publicação desta Coletânea de poemas, de contos, de cordel e de ensaio, textos que convidam leitores e leitoras aos universos autorais de membros da Academia Sousense de Letras (ASL), instituição acadêmica que anuncia novos nomes da literatura paraibana contemporânea e propaga estas escritas aos Ventos do Norte.

Na poesia de Romero Sá, “o tempo se encarregará” da vida e da morte a cada Outra estação, enquanto a cultura e o imaginário nordestinos, “sentados à beira da fogueira”, observam a Lua dos sertanejos, até o momento de uma declamação de “um amor puro, de inocência” nos Versos para minha esposa.

Pelos versos de Fátima Sarmento, o erotismo excita um corpo que tanto “pede pressão” em Versos escarlates quanto “pede ação extasiante” num Conto erótico. Envoltos pelo êxtase, os “sulcos de teu corpo no meu” escrevem um Poema da pele, uma poesia erótica que atinge o ápice da “vontade de ir além, ali mesmo”, durante uma Leitura erótica.

Nos poemas de Sérgio Silveira “os olhos que se lançam” podem ser os mesmos “olhos que corriam” quando Era domingo. Pela metáfora dos sentidos, o mesmo poeta que anseia “nas noites de lua cheia / ser sussurro” em seus Versos Almodóvares, também pode escrever “sob tempestades / de sorrisos” na Boca da noite.

Com uma poesia performática, em que a forma do poema ocupa o espaço textual seguindo o contexto da poesia, Bárbara Daniane: movimenta os versos Do vento que “eu vim” e que “tu vem”; atravessa O tempo “como um vento / em um breve sopro”; medita sobre a Parcimônia ao “ver o mar / e amar”; experimenta “saliva / sabor” da Tangerina.

A performance poética também integra os poemas de Francisco Horley, seja nas adjetivações da Mulher, seja sobre o que A mulher é. Seus versos também seguem a métrica: quando declama Mulher, mulher… “Seja o que quiseres ser!”; quando afirma ao “Filho do extremo oriente do Brasil”, É um forte, antes de tudo.

Pela ancestralidade Calon, Antonio Pedro Neves compõe versos sob a autoria de “O Patativa dos Ciganos”. Seu Lamento de um cigano narra sua missão coletiva de “ser cigano peregrino”, nomadismo ressaltado quando “eram obrigado a viajar / dentro dos matos se arranchar”. Para o poeta O tempo “é o professor que ensina / e o seu aluno ele mata”, por isso aprende: “A natureza me deu / se arrependeu e tomou”.

Na poesia romântica de César Guimarães o Teu silêncio “fala tudo” e “não é mudo”. Pela lógica contraditória, o poeta “é plural, porém bem singular” nos versos de Seu. Pela mesma contradição poética, declama em Encontro: “perdi-me muitas vezes / tentando me encontrar”. Até que na metáfora de Sob luzes… sensações, “os olhos eram as mãos / em um competente abraço”, pois a poesia permite essas composições.

Tendo em vista que “assim como a vida, a rodoviária é um ponto de ‘desreencontros’”, escrevo uma Autoficção híbrida sob a autoria de Natã Yanez. Entre a crônica e o conto, flerto com a poesia e parafraseio Manuel Bandeira, numa história alternativa sobre os relatos de uma idosa moradora de rua, parcialmente documentados durante passagem pela Rodoviária de Caruaru, Pernambuco, Brasil.

Retornando aos contos, considerando sua obra poética, Joely Queiroz narra um suspense romântico entre um marinheiro e uma aeromoça. Seu jogo de palavras poético instaura uma atmosfera de expectativa antes da tragédia: “Tenho que te dizer que o que sentimos está no ar, está no mar, está no verbo AMAR”.

Enquanto poeta, George Patrick escreve versos sobre: Ecos, que repetem “linda, linda, linda / é a tua vinda”; Letrar, pois “termos eruditos / não curam malditos”. Enquanto contista, narra uma conversa conjugal cômica, escatológica e onomatopeica: “ECA! BLERGH, BLERGH! GLUMP! COF, COF! PFFT! OFSS!”.

Em seus contos, Daniele Pereira descreve A dança de Maria, narrativa regionalista e feminina em que Maria se divide entre a angústia, pelo canto da rasga mortalha, e a saudade, pela ausência da bisavó e do marido. Mesmo assim, “dança como criança seguindo o acorde sem passo certo, apenas segue o vento”. Também escreve Sob pressão, uma experiência onírica em que indaga: “Por que concordei em mergulhar para morrer sem ar no fundo do oceano?”.

Em sua poesia, Carlos Jardel Douetts esboça uma prosa poética autoafirmativa, que assume em Filhos do sol: “Sou filho do sol e de cabra da peste”.  Também homenageia Zé Ramalho em Devaneios em Brejo do Cruz, ao parafrasear sobre o “romance entre a serpente / e a estrela”. Sendo romântico, declara em Poesia entre nós: “eu entendi / ela era poesia”.  Sendo sábio, afirma em Manto abrigo: “a família te envolve em manto abrigo / e não em fogo-amigo”.

Em seu cordel, a prosa poética de Adriana Cisleyde realiza um jogo de palavras poético sobre o Dialeto sertanejo. Direto ao ponto, declama que “lá em nós se fala assim / sem arrodeio ou pantim”, criando uma narrativa regionalista com identidade linguística nordestina. De certo modo, seus versos finais dialogam com a proposta desta antologia literária, afinal “essa é um tantinho da língua / que eu vim contar a você”.

Por fim, a Coletânea Ventos do Norte apresenta o ensaio de Sabrina Santos, gênero textual que amplia a abrangência acadêmica da ASL, que parte da divulgação de produções literárias e alcança a difusão de estudos literários. Deste modo, ao tratar das Religiões de matrizes africanas, a ensaista pretende um olhar de combate ao racismo religioso sob a perspectiva do Jarê em Torto Arado. Nesta pesquisa, os rituais afrorreligiosos representados na obra de Itamar Vieira Júnior, estimulam a desconstrução de “arquétipos relacionados a demonização das entidades e divindades africanas”, contribuindo com a construção de uma discussão socioliterária antirracista.

 

Natã Yanez

Mestre em Literatura

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