Por Paulo Lima
Quinto livro de poesia de Noélia Ribeiro, ASSIM NÃO VALE (Editora Arribaçã) é atravessado pelos tempos desafiadores da pandemia. Nada mais natural que um certo “spleen”, uma certa tristeza, se abata sobre seus versos.
No conjunto, o discurso amoroso parece constituir a unidade temática do volume. O travo das coisas findas, do amor dor, traduzidos não em versos de rendição e vitimização. O eu lírico, pelo contrário, se revela em nuances de força e resistência.
Os poemas mantêm o estilo da poeta, marcados pelo discursivo e pela musicalidade. Mas essa nova investida traz um adensamento da expressividade e das formas.
São muitos os recursos explorados nos saborosos jogos de linguagem, no ritmo seguro, no humor por vezes mordaz, nos diálogos que Noélia estabelece com outros pares do ofício – Sophia de Mello Breyner Andresen, Orides Fontela Gullar, Drummond, Paulo Henriques Britto -, além das muitas referências culturais.
“Encontro-me diante de mim./Há muito não me visitava. Carecia mesmo de polimento/a mobília coberta de teias”, escreve em “Quarentena”.
O embate amoroso comparece em versos como os do poema “Diferença lunar”:
“Vai.
Leva os ternos, as taças, os quadros,
os papéis, as aplicações e as explicações;
tudo que me desconstrua.
Não me/completa quem não olha pra lua.”
Já não vinga o apelo do “lirismo aguado”:
“Nada de prazeres de esquina em esquina.
Nada do amor de Lennon entre mim e ti.
Nada de mimimi!”,
diz em “Poema corrompido”.
Mas o amor dor também se transforma no amor humor, no poema “Quebradiço”:
“Por aqui não há o menor sinal de
amor. Deve estar escondido naquele
livro doado à carpideira do
Cemitério de Amores Quebradiços.”
A sororidade se manifesta em poemas contra o feminicídio, como em “Do lar”:
“Não me mate agora.
Preciso deixar o almoço pronto,
regar as bromélias”.
ASSIM NÃO VALE reúne também algumas reflexões sobre o fazer poético. As agruras criativas do poeta estão postas, por exemplo, em poemas como “Lexicocracia”:
“Não tenho palavras.
Nunca as tive.
Soberanas, elas me têm. Atiram-se à minha frente
e desviam minha atenção no trânsito.
Tergiversam.
Vaticinam.
Regozijam-se de meu tormento.”
O livro se encerra com uma deliciosa coleção de epigramas (“Piripaques”), de temática diversa, e com uma carta fictícia a Carlos Drummond de Andrade, em que Noélia revisita o poema “O amor bate na aorta”. “Amor é bicho instruído que desaprendo com o passar do tempo”, ela reflete, dialogando com um verso do poeta.
Nesse novo trabalho, Noélia Ribeiro alcança outro voo. Assim vale.
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