Por Paulo Vieira
Tenho uma profunda admiração por Waldemar José Solha. Antes de tudo, devo dizer que admiro pessoas que têm o talento que me falta. Uma única vez ousei escrever sobre uma obra de Solha, quando ele publicou o livro Zé Américo foi princeso no trono da monarquia. Naquele artigo, já se vão muitos anos, eu falava daquela obra absolutamente intrigante, que me parecia estar na fronteira do ensaio e do romance, sendo e não sendo ao mesmo tempo uma coisa e outra. De lá pra cá Solha não parou de produzir. Entre romances, quadros – é um grande artista visual – atuação e escrita, W. J. Solha sempre surpreende em vários aspectos, sobretudo nesses últimos lançamentos de sua intrigante produção poética.
W. J. Solha tem uma série de artigos publicados nas redes sociais, os quais ele intitula A Paraíba que não para de me surpreender, em que ele fala e enumera as obras e os feitos de artistas e intelectuais paraibanos que estão na linha de frente de ciências e invenções, mas a verdade verdadeira é que o próprio Waldemar José Solha é quem não para de surpreender a Paraíba com sua visão de longo alcance, compondo com absoluta raridade uma obra cosmogônica, principalmente em seus longos poemas, que são como uma espécie de Divina Comédia dos tempos atuais, sem o fatalismo da redenção ou da condenação católica ao céu e ao inferno – com a possibilidade de uma estadia no purgatório -, sem uma Beatriz que o guie, mas com uma cultura enciclopédica impressionante, tanto que pode até causar um sentimento de não pertencimento por parte de alguém como eu, de limitada teoria e parca erudição, ao me debruçar na leitura de obras como 1/6 Laranjas Mecânicas, Bananas de Dinamite, ou Esse é o Homem, ou Trigal com Corvos, ou o romance Relato de Prócula e a coletânea História Universal da Angústia. Ao ler qualquer uma dessas obras o leitor estará diante da singularidade de W. J. Solha e, não raro, se verá sem palavras para descrever o que leu ou o que sente, e aí, me parece, é onde está guardada a chave do entendimento.
Há obras que de tão singulares não se explicam, porque qualquer tentativa de explicação há de se tornar uma redução. É o que acontece não apenas com as obras que acima elenquei, mas com toda a produção literária de W. J. Solha. Um artista que tem um fortíssimo referencial de obras clássicas e de pessoas e feitos e fatos da história universal da humanidade, e esse conhecimento se espalha em suas obras com a tranquilidade de quem tem mais do que saberes específicos, com a justeza de quem convive com as ciências produzidas através dos tempos.
Quando penso em W. J. Solha não raro me vem à lembrança do velho padre cego, Jorge, personagem do romance de Umberto Eco, O Nome da Rosa. Jorge é o guardião da biblioteca do mosteiro onde os padres aparecem assassinados em série. Umberto Eco, ao criar essa personagem, o fez tendo como referência Jorge Luis Borges, o poeta argentino que parecia guardar em sua memória todos os livros já escritos neste mundo. Assim também é W. J. Solha, o poeta que parece ter em si todo o conhecimento do universo. Daí a razão de sua escrita ser um diálogo do homem contemporâneo com o extemporâneo, que é antigo e moderno ao mesmo tempo. Mas não só de referência clássicas, historicamente falando, é composta a obra de Solha. Algumas fazem o encontro inusitado também com história em quadrinhos ou discos voadores, como, por exemplo, o texto teatral A bátalha de Oll contra o Gígante Ferr ( assim mesmo, com acento proparoxítono em todas as palavras, praticamente ) ou o romance/ensaio que falei mais acima, sobre Zé Américo.
Borges, pronto, eis o homem, o parâmetro para se medir a dimensão de Solha. Pensei isto outro dia, quando li alguns contos de Jorge Luis Borges. Não que Solha precise de paradigmas que o sustentem, porque, do meu ponto de vista, W. J. Solha é um indicador de si mesmo, mas para não deixar de saciar o vira-lata que mora dentro de nós, aquele que se alimenta das referências externas que lhe dão. Mas, atenção, Solha é muito mais labiríntico do que Borges. Ambos são geniais, eis o ponto em que os igualo.
E por ser artista multifacetário, e por ter uma obra inquietante e enciclopédica, Solha também provoca quem o lê querendo compreender tudo o que ele escreve. Desde já eu te digo, meu caro, minha cara, saia dessa, não queira assimilar a totalidade do que está escrito apenas para não se frustrar. Não que seja impossível isto. Mas você precisaria ter lido tudo o que Solha leu para compreendê-lo racionalmente. Solha, você já deve ter entendido, faz a mistura perfeita de ciência e arte em seus escritos. Portanto, ao o ler, aquela pode te seduzir pela inteligência com que está posto, mas é à construção poética a que você deve se entregar, e por ela, aos sentimentos que afloram sob a razão. Há obras que são escritas para serem racionalmente compreendidas. Há obras que são escritas para serem sentidas, usufruídas de uma outra maneira, não pelo que expressam denotativamente, mas pelo que dão a entender conotativamente, menos pelo que dizem as palavras, mais pelo que sugerem os sentimentos, e a obra de W. J. Solha é isto, um labirinto de sentimentos em que você pode se perder pela razão.